OPINIÃO

 

Mônica Nogueira é doutora em Antropologia Social e mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da Faculdade UnB Planaltina (FUP). Atualmente Secretária de Comunicação da UnB.

Mônica Nogueira

 

Passaram-se quase dois anos desde a chegada da pandemia de covid-19 no Brasil. Foram muitas as mudanças no período. A pandemia impôs restrições ao convívio social, evidenciou e exacerbou desigualdades e injustiças que estruturam a sociedade contemporânea. No país, gerou a perda irreparável de mais de 620 mil vidas.

 

Em seu alcance planetário, a crise sanitária provocada pelo coronavírus Sars-CoV-2 encontra paralelo na crise socioambiental, cujos efeitos mais devastadores são os desastres climáticos. Ambas as crises nos desafiam a refletir sobre mudanças profundas a serem operadas a partir de agora. Entre as dimensões a serem transformadas, a mais imediata é a da sociabilidade.

 

Afinal, diante de uma nova fase da pandemia, que anuncia o retorno gradual ao convívio social em copresença, o direito coletivo à saúde depende do exercício da responsabilidade individual com o bem comum, manifesta em condutas como a adesão às vacinas, o uso diário de máscaras faciais, a higienização das mãos, a vigilância ativa dos novos casos de contágio, o combate às notícias falsas. Trata-se de reconhecer a interdependência e exercitar o cuidado de si e do outro.

 

Povos indígenas e comunidades tradicionais têm nos dado o testemunho – não como um relato do passado, mas como uma escolha consciente e renovada a cada dia – da importância desse senso de coletividade. Nas últimas semanas, correu mundo a fotografia de um jovem indígena carregando um ancião nas costas, ambos com máscaras faciais. Tawy, de 24 anos, levava o pai, Wahu, de 67, para ser vacinado na base de saúde montada no território do povo Zó’é, no norte do Pará. Durante a pandemia, os Zó’é adotaram medidas próprias de autoproteção, organizados em grupos menores e ocupando aldeias mais distantes, a fim de reduzir os riscos de contágio pela covid-19. O registro fotográfico feito pelo médico Erik Jennings Simões expressa a força dos laços entre pai e filho, mas também o exercício de responsabilidade do jovem Tawy com sua comunidade.

 

Ainda que estejamos em contexto diverso ao do povo Zó’é, a pandemia tem nos mostrado que é preciso desenvolvermos a mesma atitude de Tawy. Sobretudo, é preciso desenvolvermos a consciência sobre os elos que nos conectam uns aos outros, em sociedade e com o ambiente, para que possamos desenvolver uma ética do cuidado, atenta aos efeitos de nossas condutas sobre o mundo. Isso diz respeito ao combate à pandemia, mas também à crise socioambiental. Implica ainda repensar criticamente os padrões de individualismo, competição e predação, que já se revelaram incongruentes com as dinâmicas de sustentação da vida.

 

Apesar da escala e da complexidade dos desafios, mudanças importantes podem ser iniciadas a partir do cotidiano. Dos cuidados pessoais, aos gestos de solidariedade com quem está próximo, mas também com quem está distante, entre pares e com os diferentes. Mais uma vez, são os povos indígenas e comunidades tradicionais quem nos ampliam os horizontes e afirmam que as tramas do cuidado devem entrelaçar pessoas e ambiente, humanos e não humanos. Então, o exercício estende-se à escolha do que comemos; como e o quê descartamos; ao esforço de nos informarmos e nos percebermos afetados pelo que ocorre ao nosso redor, na cidade ou no campo, e atuarmos como sujeitos corresponsáveis, hoje, pelo futuro comum. Como diz Sílvia Federici em Fábrica de Sueños, é tempo de pensar coletivamente.

 

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