OPINIÃO

Mário Theodoro é professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UnB e economista da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed). Possui mestrado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorado em Ciências Econômicas pela Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne.

Mário Theodoro

 

Governo não consegue enxergar seus concidadãos como semelhantes

 

Quem desavisadamente andar pelos parques de Londres vai dar com muita coisa. Músicos, malabaristas, oradores e diversos monumentos a lembrar o povo inglês de sua história. Um desses ícones chama atenção por sua singeleza e significado. Homenageia a ajuda incontinente do Canadá à Inglaterra nas duas grandes guerras. Mais de 1 milhão de canadenses se dispuseram a cruzar o Atlântico e ombrear-se com seus camaradas britânicos sob a Union Jack. A frase lá inscrita rememora que se conhece o tamanho do respeito e da amizade nos momentos de perigo. Situações limite têm o condão de explicitar a solidariedade e a confraternidade.

 

Volto os olhos para o Brasil de hoje. O Brasil da pandemia, onde, diariamente, já morrem mais de 2 mil pessoas, tendendo esse número a aumentar. A crise da covid-19 pode ser vista como um ponto de inflexão, fronteira entre o drama e a tragédia, na convergência da pandemia com a crise política.

 

Observamos um governo paralisado e sem iniciativa, que insiste em minimizar a hecatombe e que, de outro lado, prossegue no ataque às instituições do Estado. O país singra mares bravios sem rumo e sem comando.

 

O Brasil construiu um sistema único e universal, referência mundial na área da saúde pública, notadamente em políticas de vacinação. E, a despeito do progressivo subfinanciamento que o fragiliza, esse mesmo SUS continua prestando inestimáveis serviços, enfrentando e mitigando os males decorrentes da pandemia. Mas continuamos assistindo ao triste enredo, notabilizado pela tendência privatista do governo e seu ferrenho apego à cartilha neoliberal. O Brasil está assim, na contramão das necessidades e urgências de seu povo.

 

Precisamos, aqui e agora, de políticas emergenciais, como a distribuição de cestas básicas e a garantia de uma renda emergencial, assegurando a alimentação e, ao mesmo tempo, o recolhimento das pessoas. Com relação à garantia de alimentos, o governo federal nada tem feito. Devemos aqui louvar a iniciativa de organizações não governamentais, como a Coalizão Negra, que nesses últimos meses têm levado alimentação básica à casa de milhares de brasileiros mais pobres.

 

No que tange à adoção da renda emergencial, a situação é de recuo. Em 2020 foram beneficiados 68 milhões de pessoas com parcelas mensais no valor de R$ 600 e, ao final do ano, de R$ 300, na perspectiva de que estaríamos em pleno retrocesso da pandemia. Pois bem, o retrocesso não veio. Ao contrário, a segunda onda ora em ascensão é maior, mais grave e mais mortal. Em resposta, o governo acena com um novo auxílio emergencial, só que em valor e escopo reduzidos, com benefícios entre R$ 175 e R$ 375, em um máximo de quatro parcelas e para um público bem menor.

 

O governo, que em 2020 gastou cerca de R$ 300 bilhões com o auxílio, prevê para este ano um montante de R$ 44 bilhões. A justificativa de que falta dinheiro tem sido reiterada pelo discurso oficial. Há, no entanto, alternativas apresentadas por especialistas, desde a mobilização de valores parados em diversos fundos não constitucionais à reforma tributária que privilegie a tributação sobre as grandes rendas e patrimônios – ou, ainda, a política de emissão de moeda adotada por diversos países para fazer frente à atual catástrofe sanitária.
 

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Publicado originalmente na Folha de São Paulo em 24/03/2021.

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