OPINIÃO

Rafael Rodrigues da Franca é professor do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília, doutor em Geografia e coordenador de projeto de pesquisa sobre a covid-19.

Rafael Rodrigues da Franca

 

Quase 40 anos separam a emergência das pandemias de aids e covid-19 no mundo e, embora ambas guardem diferenças acachapantes, alguns pontos merecem reflexão para estabelecimento de paralelos, já que superá-las tem constituído grandes desafios para a humanidade.

 

A aids, doença causada pelo vírus HIV, foi observada clinicamente em 1981 nos EUA. De lá para cá, estima-se que em torno de 75 milhões de pessoas tenham se infectado, 32 milhões foram a óbito por doenças associadas ao vírus e outras 38 milhões vivam atualmente com HIV no mundo (2019).

 

A covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV2), foi identificada a princípio em Wuhan, na China, no final de 2019. Desde então, após a declaração de emergência de saúde pública de âmbito internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, o mundo já registrou quase 64 milhões de infectados e 1,5 milhão de mortes (02/12/2020).

 

Atualmente, graças aos avanços científicos e farmacológicos, o HIV se tornou uma questão manuseável, tal como diabetes ou hipertensão. No Brasil, por meio do Sistema Único de Saúde, a população infectada por HIV tem acesso universal e gratuito à terapia antirretroviral, o que proporciona qualidade e expectativa de vida. Ainda não há uma vacina ou cura, mas há tratamento com drogas altamente eficazes.

 

A covid-19, por sua vez, ainda não tem tratamento farmacológico, mas a comunidade científica está muito perto de apresentar vacinas eficazes que devem ajudar a desacelerar a pandemia e preservar vidas.

 

Contudo, seja por meio da aids ou da covid-19, salta aos olhos o papel das desigualdades e vulnerabilidades socioespaciais na história das duas pandemias.

 

A despeito da possibilidade de tratamento e uma visível redução na incidência de aids em todo o território nacional, ainda são registrados óbitos relacionados à doença no Brasil. No Distrito Federal, em 2019, a incidência dos casos de aids foi maior entre jovens de 20-29 anos (29,6 %), de cor parda e preta (58,5 %) e ensino médio completo (21,4 %). No que se refere a óbitos, 66 % ocorreram entre populações parda e preta.

 

Os óbitos por covid-19 no DF, por sua vez, têm apresentado maior incidência nas regiões administrativas de Sobradinho, Taguatinga e Ceilândia. Parte da população dessas regiões está mais vulnerável à infecção pois enfrentam maiores dificuldades para acesso a serviços de saúde, dependem de meios de transporte ineficientes para deslocamento, apresentam instabilidade de renda associada à informalidade laboral e convivem com grande número de pessoas por domicílio.

 

No caso da aids, o estigma herdado do histórico da doença contribui para distanciamento dos mais jovens em relação ao assunto e desconhecimento sobre as possibilidades de vida pós-HIV. Além disso, o combo de vulnerabilidades associadas a contingências sociais, políticas, econômicas, culturais, entre outras, dificultam a adesão ao tratamento e potencializam o risco de adoecimento.

 

 

Agradecimentos: Aos orientandos Ruan Ítalo de Araújo Guajajara e Thiago Almeida de Lima

 

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