OPINIÃO

José Roberto dos Santos Politi é graduado em Química (bacharelado – 1990 e licenciatura – 1991), pela Universidade de Brasília, mestre em Química pelo Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (1994), doutor em Química pela Universidade Estadual de Campinas (2005) e possui pós-doutorado pela Universidade de Barcelona (2013). Atualmente é professor associado 2 da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Físico-Química, com ênfase em Cálculos de Estrutura Eletrônica de Átomos e Moléculas.

José Roberto dos Santos Politi

17/04/2020

 

A palavra quântica pode ser interpretada como uma quantidade definida, uma unidade básica. Esse conceito foi introduzido no meio científico, em 1900, por Max Planck, que descreveu a energia radiante emitida pelos componentes de um aparato denominado corpo negro, uma espécie de forno incandescente, como sendo múltiplos inteiros de uma unidade básica. Essa inovação assumiu contornos ainda mais surpreendentes quando Albert Einstein, em 1905, inspirado em Planck, explicou o efeito fotoelétrico considerando a energia da luz sendo transmitida por unidades de energia, os fótons. Em 1913, Niels Bohr inseriu a quantização da energia na estrutura da matéria por meio do seu modelo atômico que explicou o espectro do átomo de hidrogênio. Já Erwin Schrödinger, em 1926, postulou a formulação quântica atualmente utilizada para descrever a estrutura de átomos e moléculas.


A Física e a Química Quânticas são áreas da ciência que empregam os conceitos da Teoria Quântica e o modelo matemático de Schrödinger para descrever os átomos e as moléculas. Essas áreas apresentam muitas contribuições práticas relevantes, como a produção de novos fármacos e a criação de diversos dispositivos eletrônicos, e, em um futuro não muito longínquo, a sociedade deverá experimentar uma evolução tecnológica espantosa com a disponibilização dos computadores quânticos, que impactarão desde o lazer cotidiano até a medicina e os meios de produção industriais.


Essa face prática infiltrou a Quântica na sociedade. Contudo, muito rapidamente, surgiram também anúncios que incorporaram a palavra quântica em seus discursos – cura quântica, terapia quântica, elixir quântico, coach quântico, etc. – com o propósito de fazer propaganda e beneficiar-se da credibilidade científica que essa palavra carrega. Nessa  apropriação indevida, dado que não guardam relação científica com a teoria desenvolvida, distorcem, interpretam equivocadamente e exageram no uso dos fundamentos e das ideias associadas à Teoria Quântica. Além do próprio embuste comercial, essa publicidade enganosa dissemina conceitos de forma errônea e prejudica o conhecimento desse modelo teórico pela sociedade. Essa atitude de aproveitar-se de outro causando-lhe prejuízo é típica dos parasitas.           

      
Infelizmente, essa prática não é exclusividade da Teoria Quântica. A ciência em geral possui temas suscetíveis a tal “infestação”. Essa forma de “parasitismo” encontrou terreno fértil para se desenvolver no afastamento existente entre a atividade de pesquisa e a educação científica média da sociedade brasileira. A reversão desse quadro passa, obrigatoriamente, pela melhoria da educação científica de toda sociedade e pela divulgação dos trabalhos dos grupos de pesquisa para a população em geral, destacando que, em ambos os casos, é preciso alcançar todos os estratos sociais, pois o desconhecimento científico não está limitado às camadas mais carentes da população. Não por acaso, os valores cobrados pelos diversos “parasitas quânticos” são acessíveis, via de regra, às classes financeiramente mais favorecidas da sociedade.


Espero que a reconciliação da sociedade brasileira com a ciência demore bem menos que a dos personagens do livro O amor nos tempos do cólera (51 anos, 9 meses e 4 dias). Muito menos, menos até que 2 anos, 8 meses e 15 dias.


    



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