OPINIÃO

Alexandre Pereira da Rocha é doutor em Ciênciais Sociais pelo Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília.  Graduado e mestre em Ciência Política pela UnB. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, criminalidade, polícia, estudos comparados.

Alexandre Pereira da Rocha

 

A Proposta de Emenda Constitucional nº 171, de 1993, que trata da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, conta com um advogado de peso: o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Assim, graças à intervenção dele, num intervalo exíguo, essa proposta foi rejeitada e aprovada pelo plenário da Câmara. Em que pese o clamor dos favoráveis à PEC 171, a diligência de Eduardo Cunha em modificar uma votação vencida pouco tem a ver com o teor da proposta, mas com o que isso lhe trará de dividendos políticos.

 

A Constituição de 1988 prescreve: “matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Essa é uma regra de ouro para o processo legislativo, tanto que está constitucionalizada. Mas, mesmo assim, ela não está imune a interpretações casuísticas, como a que permitiu votar novamente a PEC 171. Ora, por meio de emendas aglutinativas, o presidente da Câmara, com aquiescência do colégio de líderes, requentou essa proposta numa miscelânea de textos e aprovou-a como se fosse algo novo.

 

É fato. A PEC 171 tem sido outro tema “bode expiatório” que um grupo de parlamentares de oposição liderados pelo deputado Eduardo Cunha elegeu para atingir o combalido governo Dilma. À frente dos holofotes, esses parlamentares se mostram como guardiães dos interesses do povo brasileiro e bradam contra todo tipo de corrupção, impunidade e criminalidade. Com isso, ganham adeptos em diversos seguimentos da sociedade, inclusive entre outros parlamentares. Entretanto, nos bastidores, o que vislumbram é outra chance de encurralar o Executivo na incessante busca por benesses.

 

É daí que surge o atual protagonismo de Eduardo Cunha, afinal, ele está no controle de uma casa legislativa extremamente sensível para o desempenho das propostas do Executivo. Destaque-se: o presidente da Câmara possui substancial ingerência na agenda legislativa, logo, tem condições de definir o que pode ser votado, quando e como. Diante disso, quando o Executivo não goza de boas relações com o Legislativo, como é o caso da presidente Dilma, o resultado dos trabalhos legiferantes pode não ser o melhor para o governo e a coletividade, mas o que é conveniente aos mandantes da agenda do Congresso Nacional.

 

Nesse sentido, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na máscara de oposicionista ao governo, não engoliu a reprovação da PEC 171, porque isso simbolizava vitória para o Executivo. Quer dizer, a então desaprovação dessa proposta não foi enfrentada como uma derrota comum dos debates do Legislativo, porém como uma perda do próprio Eduardo Cunha. Com efeito, ele deixou a Constituição de lado e apelou a subterfúgios para obter sua vitória pessoal, embora que travestida da opinião de mais de 80% dos brasileiros que seria favorável à redução da maioridade penal.

 

O problema disso tudo é que o conteúdo da PEC 171 é assaz complexo para ser abordado com despautério. Note-se: a redução da maioridade penal implica redefinições de direitos e deveres fundamentais assinados na Constituição de 1988 e acordos internacionais. Nem por isso é um tema imutável. Contudo, é temerário discuti-lo num momento em que a oposição ao governo petista tem perdido a razoabilidade em alguns pontos, pois, com fim de atingi-lo, não pensa duas vezes em recorrer a meios ambíguos e oportunistas.

 

Em qualquer Estado democrático, a oposição possui papel fundamental, porque é ela quem fiscaliza o governo. Nesses termos, a oposição deve possuir liberdade para criticar e condições para agir contra as políticas dos partidos governistas que julgar equivocadas. Todavia, quando a oposição atua encolerizada, põe em risco a própria democracia. A oposição do atual presidente da Câmara e seus seguidores tem se enquadrado nesse último caso, afinal, parece uma batalha pessoal, passional e desatinada.

 

Já se viu que a PEC 171 é polêmica e sem consenso, logo, remendá-la pode soar pior do que o próprio conteúdo da proposta. Mas pouco disso importa para o então presidente da Câmara, que não mede esforços para alcançar suas pretensões políticas. Por ora, alguns aplaudem ou ignoram a atitude imperial dele, todavia, saibam que isso é à custa da democracia.

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