OPINIÃO

Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Isaac Roitman¹

 

Querido Papai Noel! Esta é a terceira carta que estou mandando para você. Na primeira pedi como presente de Natal que nossos governantes e governados pudessem pensar e agir com sabedoria. Pedi também que tivéssemos respeito à natureza e que a justiça social fosse conquistada. Na segunda, pedi para que tivéssemos uma educação de qualidade para todas as crianças e os jovens brasileiros. Pedi também uma reforma agrária que garantiria o acesso à terra para quem nela possa trabalhar e viver e que diminuiria a migração para os ambientes urbanos, com suas cruéis consequências. Pedi para conquistarmos um atendimento de qualidade na saúde, baseado na promoção da saúde, e que todos os brasileiros tivessem uma casa decente para morar, com acesso a espaços culturais e esportivos que pudessem ser utilizados por todos.

 

No entanto, meus pedidos não foram atendidos em sua plenitude. Assim, meu bom velhinho, volto a lhe escrever. O país continua desigual e com altas taxas de desemprego; a educação, deficiente; o atendimento à saúde, precário; a violência, com índices alarmantes; e o consumo de drogas, aumentando, o que nos obriga a viver em um mundo desumano e cada vez mais selvagem. Os meios de comunicação cada vez mais sofisticados tentam moldar o nosso comportamento para o egoísmo em vez do altruísmo. Sei que meus pedidos são complexos em uma era de grandes incertezas. Sei que os meus desejos levam tempo para serem atendidos, mas precisamos dar os primeiros passos.

 

Muitos de meus desejos coincidem com o clamor das ruas. Esse clamor revela uma profunda insatisfação popular, com o desejo, entre outras coisas, de um emprego digno, um transporte público decente, uma educação e saúde de qualidade para todos, sem exclusões nem privilégios. Os meus desejos certamente expressam um desejo coletivo. A criança que nunca deixei de ser me faz ainda confiar em você. No entanto, para facilitar suas tarefas, decidi mandar cópias desta carta para o presidente do Brasil, para todos os ministros, para todos/as os senadores/as e deputados/as do Congresso, para todos os governadores, para todos/as os deputados/as estaduais, prefeitos/as, vereadores/as e juízes/as. Quem sabe muitos deles/as levem a sério os desafios explicitados.

 

Quero também dividir com você alguns pensamentos sobre o Natal, em que você é figura central. É uma data mágica, na qual a conspiração pela bondade é vitoriosa. Somos induzidos pelo clima natalino a pensar na solidariedade, na compaixão e nos preocupamos com a fome e a miséria humana. No Natal, renasce em nós a esperança na humanidade e na permanente generosidade. Nosso sonho pode se resumir em termos um país feliz e um planeta com sustentabilidade e sem guerras. Seria tão bom se todos os dias do ano fossem iguais ao Natal. Teríamos todos os dias, nos iluminando, o afeto e o amor. Teríamos as famílias reunidas e amigos se reencontrando. Todos os dias a tolerância permearia as relações humanas, permitindo um convívio virtuoso diante da diversidade. Seríamos felizes sem motivo, o que, segundo Carlos Drummond de Andrade, é a mais autêntica forma de felicidade.

 

Vamos sonhar em termos um país e um mundo melhor, inspirado na Utopia de Platão que imaginou uma sociedade perfeita e pacífica ou a de Thomas Morus, onde um governo, organizado da melhor maneira, possa proporcionar condições de vida a um povo equilibrado e feliz. Vamos sonhar e agir juntos lembrando o pensamento de Friedrich Nietzsche: "O filósofo é o homem de amanhã, aquele que recusa o ideal do dia, aquele que cultiva a utopia". É pertinente também lembrar o pensamento de Oscar Wilde: "O progresso não é senão a realização das utopias".

 

Meu bom velhinho, desculpe novamente pelos desabafos, desejos e fantasias. Mas, como diz a sabedoria popular, o maravilhoso da fantasia é nossa capacidade de torná-la realidade. Vou ficar observando o céu nas próximas noites, com a esperança de ver uma estrela cadente e ouvir um alegre ho ho ho, que será o sinal da chegada de melhores dias para o nosso Brasil. Esse será o melhor presente de Natal para todos os brasileiros.

 

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¹Professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Microbiologia, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/CEAM/UnB), membro titular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da CAPES, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-sub-secretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.

 

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 20/12/2018.

 

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