OPINIÃO

José Matias-Pereira é economista e advogado. Possui doutorado em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri (UCM-Espanha) e pós-doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). É professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília. Autor, entre outros livros, de Finanças Públicas, 7. ed. GEN-Atlas, 2018.



José Matias-Pereira

 

As fraudes e a corrupção são sérios obstáculos que dificultam o progresso social e econômico de qualquer país. É sabido que, a corrupção sistêmica é gerada ou estimulada pelo próprio sistema, em decorrência das fragilidades das instituições. Os ambientes pouco transparentes facilitam as ocorrências de fraudes e corrupções, impedindo que sejam detectadas . A receita para enfrentar esse problema é a elevação do patamar de qualidade na governança pública e da governança corporativa nas estatais.


Isso explica porque os órgãos legisladores e reguladores de todo o mundo, incluso o Brasil, estão trabalhando de forma ativa para melhorar a governança corporativa, a fiscalização de auditoria e outros aspectos do processo envolvendo relatórios financeiros. Diante desse contexto, torna-se relevante perguntar: É possível combater as fraudes e a corrupção nas organizações públicas no Brasil?


A literatura que trata das análises dos escândalos de fraudes e corrupção ocorridos nos Estados Unidos, Europa e Brasil evidenciam que o problema não está na teoria contábil. A contabilidade oferece formas alternativas de se evidenciar alguns fatos contábeis, mas cabe ao profissional contábil a escolha entre uma e outra forma de contabilizar e evidenciar os fatos ocorridos. O termo fraude refere-se a ato intencional de omissão ou manipulação de transações, adulteração de documentos, registros e demonstrações contábeis. O modelo teórico denominado “triângulo da fraude”, desenvolvido por Donald R. Cressey (1953) sustenta que, para uma fraude ocorrer, é necessária a convergência de três fatores: pressão, oportunidade e racionalização.


Do ponto de vista conceitual, a governança pública pode ser entendida como o sistema que determina o equilíbrio de poder entre os envolvidos — cidadãos, representantes eleitos (governantes), alta administração, gestores e colaboradores — com vistas a permitir que o bem comum prevaleça sobre os interesses de pessoas ou grupos. A contabilidade é o processo de produção de informações que dizem com as atividades financeiras dos diversos tipos de atividade econômica, permitindo que o usuário as utilize para a tomada de decisões racionais. A contabilidade criativa, por sua vez, é essencialmente um processo de uso das normas contábeis, que consiste em dar voltas às legislações para buscar uma escapatória baseada na flexibilidade e nas omissões existentes dentro delas para fazer com que as demonstrações contábeis pareçam algo diferente ao que estava estabelecido em ditas normas (Jameson, 1988).


Os estudos e avaliações evidenciam que a existência, qualidade e efetividade das políticas e programas voltados à prevenção, detecção e remediação de fraudes e atos de corrupção na administração pública brasileira, em especial, nas estatais, explicitadas nos escândalos do mensalão e da operação Lava Jato se mostraram ineficazes. Constata-se que pouco mudou nas últimas três décadas, apesar dos esforços que foram feitos para melhorar a governança pública, a transparência pública e a governança corporativa das empresas estatais, visando evitar fraudes e corrupção nas organizações públicas.


E essas fragilidades, é preciso alertar, decorre das deficiências presentes nos elementos ou princípios do ambiente de controle: a integridade pessoal e profissional; o comprometimento com a competência; o perfil dos superiores; a estrutura organizacional; a atribuição de autoridade e responsabilidade; e, as políticas e práticas de recursos humanos. Nesse contexto fica comprovada a relevância do perfil do gestor público, conforme sustenta a teoria de linhas de defesas, que aponta o administrador público como o principal agente no combate a fraude e a corrupção.


O sistema político vigente — contaminado pelos efeitos do corporativismo, patrimonialismo e do modelo de coalizão presidencial, que abre janelas para os desperdícios, a corrupção e a impunidade - não está interessado em mudar os critérios de indicações dos cargos estratégicos na administração pública, como por exemplo, ministros, secretários e dirigentes de estatais. Nele o governante, ao promover o loteamento dos espaços na administração pública em troca de apoio político no parlamento, exige para as nomeações desses indicados apenas o critério “político”, relegando a um plano secundário a competência técnica, a postura ética e o compromisso do nomeado com o bem comum da população.


Pode-se afirmar, assim, que, mesmo que o sistema de controle esteja apoiado numa contabilidade bem estruturada e analisada de forma consistente, somada a uma governança pública e corporativa atuante e rigorosa, ele não será capaz de evitar fraudes e corrupção, como as constatadas na administração pública federal nos últimos anos, notadamente nas estatais, se esses gestores públicos, além de competentes e éticos, não estiverem comprometidos com os interesses maiores da sociedade. Fica evidente, dessa forma, a necessidade de se promover uma profunda reforma do sistema político, no qual os interesses da sociedade devem se sobrepor aos interesses políticos, partidários e pessoais dos que governam o Brasil.

 

 

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