OPINIÃO

Camilo Negri é professor adjunto e diretor do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC) da Universidade de Brasília (UnB). Mestre e doutor em Ciências Sociais – Estudos Comparados sobre as Américas (CEPPAC, UnB – 2005, 2009). Chefe do Departamento de Estudos Latino-Americanos da UnB (ELA).

Camilo Negri

 

"Tudo deve mudar para que tudo fique como está", assim alcunhada pelo escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, a famosa frase costuma ser utilizada para ilustrar um fenômeno político comum em tempos de decadência, como ocorreu com a aristocracia italiana descrita no seu livro O Leopardo. No Brasil, o ritmo frenético dos eventos e a longa duração e escopo da crise política produziram, novamente, as condições para o fenômeno.

 

Mais uma vez, novos arranjos políticos estão em curso e restará à população assistir bestializada aos eventos que ao mudarão as feições da política sem corrigir suas principais deformações. Tal contexto certamente desencoraja um olhar mais otimista sobre a democracia, e impede sua defesa incondicional. A profunda descrença no funcionamento das instituições democráticas, além disso, traz à tona discursos, valores e crenças que, ao se oporem aos princípios democráticos, dão margem a cenários ainda mais preocupantes.

 

A democracia, entretanto, assim como afirmou Spinoza em relação à paz política, não é mera ausência de guerra, imposta por ordem instável, mas virtude originada na alma do cidadão, o que garante sua maior estabilidade e justiça. Para prosperar, portanto, a democracia não pode ocultar as injustiças e contradições da vida social. Ao contrário, a democracia precisa garantir condições para plena expressão de todas as demandas e ideologias correspondentes. Embora certa homogeneidade seja necessária para garantir estabilidade, é a pluralidade e a abertura à contestação que sustentam o desenvolvimento da democracia.

 

Infelizmente, assim como o restante da América Latina, o Brasil não cultivou tal diversidade ideológica que permitisse vislumbrar alternativas viáveis e imediatas. Não custa lembrar que, durante o período do golpe civil-militar de 1964, a supressão dos direitos políticos permitiu a caça e extermínio de cidadãos que, como Vladimir Herzog, por exemplo, eram filiados à partidos de esquerda. A proibição radical do comunismo, comum nos países latino-americanos até o fim da União Soviética, ainda impacta o espectro ideológico da região, limitando as opções representadas nas democracias.

 

A atual crise política, assim como ocorreu durante as ditaduras, restringiu o debate ideológico. A ausência de alternativas, ainda que utópicas, e o constrangimento ao debate ideológico contribuíram ainda mais para a viabilização de propostas que mantêm as configurações de poder idênticas. Consequentemente, a frequente tergiversação dos graves problemas do país devido aos arranjos políticos possíveis permanece alimentando o ciclo vicioso de restrição ao desenvolvimento de alternativas e opções políticas mais representativas.

 

Apesar de suas falhas, contudo, a democracia é a única ferramenta política disponível que, idealmente, permite a ascensão e desenvolvimento de alternativas ao efeito Leopardo. Para tanto, deve estar plenamente aberta à contestação e ser alimentada pelas diversas demandas que caracterizam as sociedades modernas.

 

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