OPINIÃO

José Matias-Pereira é economista e advogado. Possui doutorado em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri (UCM-Espanha) e pós-doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). É professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília. Autor, entre outros livros, de Finanças Públicas, 7. ed. GEN-Atlas, 2018.



José Matias-Pereira

 

As buscas de soluções criativas para enfrentar os efeitos das turbulências na economia mundial, que vem afetando países desenvolvidos e emergentes na última década, acentuou a relevância do potencial de contribuição da pesquisa e inovação para o crescimento econômico e produtividade. A mudança dos paradigmas tecnológicos mundiais traduziu-se na ocorrência de um elevado número de inovações nos distintos campos do conhecimento. Essa nova realidade na dinâmica tecnológica mundial é a responsável pela ênfase que os países com economias mais complexas vêm dando aos seus programas nacionais de políticas de ciência, tecnologia e inovação¹. Os países que priorizam as políticas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), alocam em média nessas áreas, percentuais que variam de 1,5% a 3% de seus Produtos Interno Bruto (PIB).

 

Os investimentos para estimular o desenvolvimento da pesquisa e inovação no Brasil sempre estiveram abaixo desses percentuais. E o mais preocupante é que, esses recursos vêm caindo de forma sistemática nos últimos anos. O percentual do PIB destinado ao Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação foi de 1,02% do PIB; na atualidade é de apenas 0,7% do PIB. A deterioração do ambiente econômico, resultado da má governança, desperdícios e da corrupção, que provocou o descontrole das contas públicas, impôs a necessidade de um novo regime fiscal que definiu o teto dos gastos públicos (Emenda Constitucional 95, de 2016), o que agravou ainda mais esse cenário. A participação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no orçamento da União, que era de 3,2% em 2010; caiu para 2,7% em 2013; e despencou para 1% em 2017. Esses cortes representam uma redução na ordem de 44% do orçamento das instituições voltadas para as áreas de CT&I, em 2017.

 

A carta enviada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), apoiada por oito entidades representativas no campo da CT&I, ao presidente Temer, no final de agosto de 2017, explicita a difícil situação da ciência, tecnologia e inovação e das universidades públicas no Brasil. Argumenta que a queda no financiamento das instituições e dos programas de pesquisa, assim como a ameaça de proibição de novos concursos públicos contribuem para o empobrecimento e sucateamento das universidades e institutos de pesquisa pelo esvaziamento de seu quadro qualificado e pela total desmotivação e insegurança que gera nos jovens que pretendem seguir a carreira de pesquisa. Com base nesse cenário, alerta que o país corre o risco de sofrer uma “grande diáspora científica”, com a evasão de cérebros altamente qualificados, formados com recursos públicos, para países mais avançados que veem na C&T um instrumento essencial para o desenvolvimento econômico e para o bem-estar social.

 

Esse declínio do Brasil está evidenciado no ranking de competitividade e inovação tecnológica, do Fórum Econômico Mundial de 2016, no qual o país ocupa o 81º lugar no mundo, entre 138 países. O termo competitividade é definido no estudo como o conjunto de instituições, políticas e fatores que determinam o nível de produtividade de um país. O relatório destaca que, a economia brasileira foi afetada em 2015 pela deterioração de fatores considerados básicos para a competitividade, como por exemplo, o ambiente econômico, desenvolvimento do mercado financeiro e, principalmente, capacidade de inovação. Esses dados confirmam que o Brasil, na medida em que se recusa a priorizar a CT&I, caminhando na contramão da tendência mundial, vai continuar perdendo as oportunidades geradas pelo conhecimento e pelas inovações tecnológicas.



Fica evidenciado, assim, que a escassez de recursos para o sistema de CT&I decorre de uma visão míope dos atuais dirigentes governamentais, que desconhecem que alocação de recursos em ciência, tecnologia e inovação deve ser prioridade, em especial, nos períodos de retração econômica, por se tratar de investimentos que vão produzir conhecimentos, notadamente em criação de capacidade produtiva e em capacitação tecnológica, capazes de desencadear efeitos benéficos, em bases sustentáveis, na economia e produtividade do país, em médio e longo prazo².

 

Os cortes significativos e lineares feitos nos orçamentos das instituições voltadas para a CT&I e da educação superior estão empurrando essas áreas para a paralisia. Esse é o penúltimo estágio, antes do colapso do sistema. É essencial, portanto, a definição de novas estratégias para garantir fontes de recursos perenes e na quantidade necessária para garantir o funcionamento do sistema de CT&I no Brasil. Destaca-se nesse esforço, a necessidade de se romper o gargalo que existe entre a capacidade de transformar pesquisa em conhecimento e a competência para transformar conhecimento em riqueza no país; e a correção das distorções provocadas pelo atual modelo de alocação de recursos públicos, que funciona como principal fator de geração de estímulos para atrair os investimentos do setor privado.

 

É necessário argumentar, por fim, a alteração desse quadro passa pela crescente profissionalização da gestão nas instituições de CT&I e universidades públicas, redução da burocracia, reestruturação da capacidade de planejar e a redefinição de prioridades e metas dessas áreas, que sejam factíveis de serem implantadas. É essencial, também, aprofundar o debate com a população sobre o papel do sistema de CT&I, visto que uma grande parcela dos brasileiros desconhece a sua relevância para o desenvolvimento do país. Sem as mudanças apontadas, e o engajamento e a pressão da sociedade sobre os governantes e políticos, para garantir recursos de forma perene e na quantidade necessária, o debacle do sistema de CT&I brasileiro me parece inevitável.

 

¹ Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). The OECD Science, Technology and Innovation Outlook 2016. Brussels: OECD, dec. 2016.
² Matias-Pereira, J. “Políticas públicas de incentivo à inovação tecnológica: O desafio para aumentar a produtividade e a competitividade do Brasil”, in: Matias-Pereira, J. Curso de economia política. São Paulo: Atlas, 2015, p. 50-87.

 

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