OPINIÃO

Sônia Nair Báo é professora do Departamento de Biologia Celular - CEL, do Instituto de Ciências Biológicas - IB, da Universidade de Brasília e vice-reitora da Universidade. Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, mestre em Biologia Celular e Estrutural pela Universidade Estadual de Campinas e doutora em Ciências Biológicas (Biofísica) pela  Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, membro do comitê da área interdisciplinar da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e membro do comitê da área de morfologia do CNPq. Atua em Morfologia, com ênfase em Biologia Estrutural, nos temas: reprodução, microscopia e nanobiotecnologia.

Sonia Maria de Freitas

 

O professor Aaron Ciechanover nasceu em Haifa em 1º de outubro de 1947, alguns meses antes da independência de Israel, ocorrida em maio de 1948. Haifa é, atualmente, a terceira maior cidade de Israel, com quase 300 mil habitantes e estreitamente ligada à vida e à carreira de Aaron Ciechanover. A cidade fica 90 Km ao norte de TelAviv, nas margens do Mediterrâneo. Além das atividades portuárias e de uma refinaria de petróleo, a cidade hospeda duas respeitadas instituições acadêmicas – a Universidade de Haifa e o Instituto de Tecnologia de Israel (Technion) – e conta com vários parques de alta tecnologia. Nas palavras do próprio Ciechanover¹, seus dois primeiros anos de vida, em decorrência da guerra, foram especialmente difíceis para seus pais, que haviam migrado da Polônia em meados dos anos 1920.

 

Ele demonstrou interesse em biologia desde os anos iniciais da educação formal. Além das atividades escolares, os pais de Ciechanover exerceram forte influência nos estudos e na prática do Judaísmo – e no gosto pela música clássica, presente até hoje. Depois que seus pais faleceram – a mãe, em 1958; o pai, em 1964 – Aaron Ciechanover foi amparado por familiares, uma tia que morava em Haifa e em cuja casa morou até completar os estudos secundários; o irmão e a cunhada, que moravam em TelAviv, onde ele passava os finais de semana e as férias.

 

Ao concluir os estudos secundários, Ciechanover foi selecionado para estudar na escola de medicina da Universidade Hebraica, em Jerusalém, que, à época, oferecia o único curso de medicina em Israel. A opção resultou de diversos fatores, que abrangiam o interesse pela biologia, a expectativa de ser útil para as pessoas, a busca de uma profissão que fornecesse suporte para a sobrevivência e, não menos importante, a consideração de que a medicina, nas famílias judaicas, é uma das melhores profissões.

 

Os primeiros quatro anos (1965-1969) na escola de medicina foram empolgantes, mas nessa altura, com início das atividades clínicas com pacientes, surgiram questionamentos sobre a escolha profissional que fora feita. Em 1969-1970, ele usou uma oportunidade escolar para trabalhar com os pesquisadores Jacob Bar-Tana e Benjamin Shapira, quando alcançou o grau de mestre e descobriu uma nova paixão: a bioquímica.

 

Com suporte do irmão, ele concluiu o curso de medicina (1970-1972). Para obter a licença de médico, era necessário, contudo, realizar estágio (“residência médica”) por um ano. Nessa altura (1972) ele foi apresentado e começou a trabalhar com o doutor Avram Hershko, que estava cuidando, então, da implantação da unidade de bioquímica na recém-criada Faculdade de Medicina do Technion, em Haifa. Assim, na mesma época das atividades no laboratório de bioquímica, ele realizava estágios no hospital, circulando nas diversas clínicas médicas e cumprindo as exigências para concluir a graduação em medicina. 

 

“Eu trabalhei no laboratório [de bioquímica] nas minhas tardes livres, nas noites, nos finais de semana, nos feriados e finalmente decidi seguir carreira em bioquímica”, conforme está na referência já citada. Ao final, ele obteve o grau de Doutor em Medicina (MD).

 

Em seguida, nos anos 1973-1976, ele cumpriu suas obrigações e prestou serviço militar nas Forças de Defesa de Israel. O serviço militar é parte integrante e importante da vida israelense e uma espécie de “cartão de entrada” na sociedade. Em 1976, após o serviço militar, ele retornou ao Technion e iniciou o doutoramento, sob orientação do doutor Avram Hershko, trabalhando em pesquisas que levaram à descoberta do papel do sistema proteolítico ubiquitina/proteassoma na degradação de proteínas nas células vivas. O doutoramento foi concluído em 1981.

 

Em 1978-1979, o doutor Avram Hershko deixou o Technion em um ano sabático e foi trabalhar com o doutor Irwin Rose no Fox Chase Cancer Center – Philadelphia, Pennsylvania – EUA. Nos verões de 1978 a 1981, o doutor Ciechanover também realizou pesquisas naquele laboratório, além das atividades executadas no Technion, que colaboraram na obtenção do doutorado em 1981. Nessa altura, os doutores Aaron Ciechanover, Avram Hershko e Irwin Rose descreveram como as proteínas redundantes ou não funcionais são discriminadas, na célula, por um sistema regulado.

 

Entre 1981 e 1984, ele trabalhou em seu pós-doutoramento no Departamento de Biologia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge – Massachusetts, EUA, sob supervisão do doutor Harvey Lodish. Em 1984, o doutor Aaron Ciechanover retornou para a Faculdade de Medicina do Instituto de Tecnologia de Israel, onde é professor emérito.

 

Em 2004, o professor Ciechanover foi laureado com o prêmio Nobel de Química, juntamente com os doutores Avram Hershko e Irwin Rose. Graças ao trabalho dos três laureados com aquele Prêmio Nobel, agora é possível entender, em nível molecular, como a célula controla diversos processos centrais relacionados com a degradação seletiva de proteínas. Conforme dito pelo doutor Michael Brown, na apresentação dos laureados com o Prêmio Nobel em 2004, "os três cientistas ensinaram como as proteínas morrem e, ao fazê-lo, ensinaram como as células vivem”.

 

Doutor Aaron Ciechanover é membro de mais de 30 academias de ciências e associações científicas, em diversos países – Israel, Estados Unidos da América, Reino Unido, Vaticano, Polônia, Coréia do Sul, Ucrânia, Rússia, Alemanha, Grécia, Geórgia e China – além de instituições regionais (Europa, Ásia) e internacionais. Ele recebeu mais de 55 títulos honoríficos e mais de 20 prêmios e honrarias, além de colaborar como professor visitante em diversas Instituições nos Estados Unidos da América, Japão, Suécia.

 

A contribuição científica do doutor Aaron Ciechanover abrange mais de 300 trabalhos, entre artigos, revisões, livros e capítulos de livros. Estes trabalhos têm importância fundamental para direcionamento da ciência que busca o entendimento dos complexos moleculares e dos mecanismos que regem a vida. Muitas descobertas deverão ser produzidas, especialmente na elucidação dos mecanismos terapêuticos de doenças, em decorrência da grandiosidade das descobertas realizadas pelo doutor Ciechanover.

 

A história do doutor Aaron Ciechanover é motivadora e inspiradora para todos que veem a ciência como uma forma de melhorar a qualidade da vida. Ele é um exemplo para todos nós, não só porque participou de descobertas tão importantes, mas especialmente pela forma como tem trabalhado como cientista e pesquisador. Somos gratos pelo exemplo.

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¹www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2004/ciechanoverbio.html

 

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