OPINIÃO

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.

Cristovam Buarque


É triste ver o futuro do Brasil se esvaindo na crise de nossas universidades e centros de pesquisa. Ainda mais triste perceber que o governo atual e milhões de brasileiros veem esse cenário crítico como se fosse apenas um problema isolado e a redução nas pesquisas como algo que afeta unicamente a comunidade científica. Quando a seleção brasileira de futebol perde um jogo, o país sofre como uma derrota de toda a nação. Quando uma universidade e centros de pesquisas são impedidos de funcionar bem, é como se o Brasil estivesse perdendo no presente e sacrificando ainda mais seu futuro.

 

Também é triste perceber que essa crise seria perfeitamente evitável se as forças políticas nacionais entendessem claramente a importância do ensino superior, da ciência e da tecnologia. Poderia ser evitada se o atual governo não fizesse os contingenciamentos atuais de R$ 7 bilhões sobre os gastos previstos no orçamento dessas áreas.

 

É certo que a situação fiscal que pesa hoje sobre as universidades não existiria se os governos anteriores não tivessem sido tão irresponsáveis com as contas públicas: só com a Copa do Mundo e as Olimpíadas foram gastos R$ 40 bilhões, o equivalente a 60 meses do então Ministério de Ciência e Tecnologia e a 150% dos gastos com as universidades federais. Sem falar dos R$ 370 bilhões com isenções fiscais (entre 2010 e 2014) usando a falsa narrativa de que esses gastos iriam gerar emprego e dinamizar a economia.

 

A crise seria evitada se os governos anteriores, dos quais participavam o atual presidente, como vice, e grande parte de seus ministros, inclusive o de Ciência e Tecnologia, tivessem escutado alertas, como um de 2013 publicado pelo Senado Federal sob o título de “A economia (ainda) está bem, mas não vai bem” e que pode ser acessado aqui.

 

O arroxo fiscal que o setor público atravessa é apresentado como desculpa para esse contingenciamento, mas há outros setores de onde podem ser retirados recursos para não sacrificar o futuro do país. Na semana passada foram liberados R$ 2,1 bilhões para emendas de parlamentares com o objetivo de garantir apoio para impedir a aprovação da denúncia do Ministério Público contra crimes que teriam sido cometidos pelo atual presidente. Esse valor resolveria a crise da nossa ciência. O governo vem fazendo gastos em outras áreas com recursos que poderiam ir para a construção do futuro.

 

Para o próximo ano, o Ministério Público, que luta corretamente contra a comportamento corrupto de políticos, acaba de cometer uma corrupção nas prioridades ao aprovar aumentos de salários para seus integrantes a um custo anual de R$ 100 milhões, dinheiro que resolveria metade da crise da UnB, cujo orçamento para seu funcionamento em 2017 é de R$ 226 milhões. O argumento de que o aumento de salários virá da redução de outros gastos no MP permite imaginar que não só estão gerindo mal o dinheiro público como se esquecendo de que essa verba pertence ao coletivo, ao povo, portanto, é pública.

 

Por isso, a comunidade acadêmica precisa estar alerta na discussão do orçamento para 2018. Foi pensando nisso que levei à última Reunião do SBPC, em Belo Horizonte, a proposta, entregue à então presidente – professora Helena Nader – da criação de um movimento pela salvação da ciência brasileira, com o indicativo de cinco bandeiras de luta por mais recursos para este setor:

 

a) As emendas de parlamentares devem ser obrigatoriamente dirigidas em parte para a ciência e tecnologia;
b) Retirar 0.5% dos recursos discricionários de todos os ministérios e demais órgãos do Poder Executivo para financiamento dessas áreas;
c) Reduzir drasticamente os recursos destinados à publicidade do governo federal, realocando a verba nesses setores;
d) Destinar à ciência e tecnologia parte dos recursos da economia com desperdícios apurados pela CGU e dos recursos disponíveis nos Fundos Constitucionais;
e) Definir ciência e tecnologia como áreas estratégicas sobre as quais serão impedidos, por lei, contingenciamentos.

 

Tudo isso é possível, mas dificilmente virá sem uma mobilização forte da sociedade, começando pela comunidade acadêmica, científica e tecnológica. Até recentemente, bastava reivindicar e jogar a conta para o povo, sob a forma de inflação. Agora, será preciso lutar para definir as prioridades do futuro. Não poderemos outra vez aceitar a construção de um injustificável estádio por R$ 2 bilhões ao lado da UnB, que precisaria de poucos milhões para evitar a crise atual. O silêncio no passado foi uma grande omissão. Agora seria um crime contra o futuro do Brasil.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 1º/8/2017.


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