OPINIÃO

Paulo José Cunha é professor da UnB, escritor e jornalista.

Paulo José Cunha

 

Todos os anos torram-se bilhões de reais em publicidade oficial nos três níveis de governo. Grande parte dessa grana serve mais a alguém do que a alguma finalidade relevante. A Constituição proíbe o uso de verba pública para promoção pessoal. Mas o que se aplica em campanhas de relevante utilidade social é uma ninharia.


Baseada no eufemismo da “divulgação das ações de governo”, essa publicidade presta-se mesmo é ao enaltecimento dos chefes dos executivos, mesmo ocultando seus nomes e partidos. Na prática, ao divulgar a ação de uma prefeitura divulga-se, é claro, a ação do prefeito. E fica por isso.      


Não há teto para tais gastos, nem lei que impeça abusos. A título de “prestação de contas”, produzem-se sofisticadas peças publicitárias – como se calçar ruas ou ampliar rede de esgotos não fossem obrigações de quem governa.


Benfeitorias e ações essenciais de governo deveriam falar por si. Pois, se vejo minha rua asfaltada, deduzo que o prefeito está fazendo bem o seu trabalho. Se os buracos da estrada foram tapados é porque o governo estadual fez sua parte. Se a qualidade da universidade pública melhorou é porque o governo federal está trabalhando direito. Será – mesmo – necessário ir ao rádio e à televisão pagar uma baba grossa para trombetear a realização de tais obras?  


Em compensação, fora as campanhas relevantes e necessárias, como as de combate à dengue, de vacinação ou de cuidado com o trânsito, por exemplo, poucas têm efetivo interesse social. Não tenho notícia, por exemplo, de alguma campanha sobre o cuidado com equipamentos públicos como banheiros e escolas, depredados um dia sim e outro também. Igualmente não sei da existência, em qualquer tempo, de alguma campanha sobre a função social do imposto. Crianças e jovens crescem com a velha – e falsa – convicção de que a torneira da escola “é do governo”. Então, só de farra, vamos quebrar a torneira e deixar a água escorrer! Até hoje não se viu uma só campanha para lembrar que aquela torneira não é de governo algum: foi comprada com o imposto dos contribuintes. Se não é comum quebrar a torneira do banheiro de casa, por que seria normal arrebentar a torneira do banheiro público? Nunca vi comparação simples como essa numa peça publicitária oficial. Mas todo dia aparecem anúncios com umas moças bonitas dizendo que nunca antes na história deste país se asfaltou tanta rua, se fez tanta creche...  Igualmente não se tem notícia de alguma campanha da justiça eleitoral, fora da época das campanhas, alertando o eleitor sobre a necessidade de acompanhar o trabalho dos eleitos. Chamar a atenção para isso em cima da eleição é fácil. Mas ajuda pouco a qualificar o voto.  


Além do desvio de finalidade das campanhas publicitárias oficiais, mesmo quando parecem ir no caminho certo são vítimas de excesso de criatividade ou de criatividade irresponsável. A atual campanha do Ministério dos Transportes que leva o discutível slogan de Gente boa também mata é o melhor e mais atual exemplo disso. Princípio rudimentar da publicidade preceitua que o anúncio deve associar o produto a um conceito positivo para conquistar a cumplicidade do público. Carro esporte lembra aventura, por isso é filmado numa paisagem que lembra o espírito da aventura. Sabonete tem de limpar. E ser refrescante e perfumado. Então, vamos falar da sensação de bem-estar que ele provoca. E vai por aí.  


Mas querer associar boas ações como a de adotar animais, de ser bom aluno e de plantar árvores à prática de atos criminosos no trânsito é tão sem sentido e sem objeto quanto afirmar que quem usa camisinha pode ser tarado. A campanha, pretensamente “inteligente” por chamar a atenção para os crimes de trânsito de forma enviesada provocando polêmica, na verdade atira no que viu mas mata o que não viu, ao estigmatizar boas práticas, numa associação às avessas. Ora, chamar a atenção pela polêmica é fácil. Quero ver é atingir efetivamente o objetivo a que se propõe, e que justifique o caminhão de dinheiro que a campanha custou.   


Passa da hora de se colocar alguma ordem nesse galinheiro. Afinal, essas galinhas são nossas. Essas galinhas compõem o suado dinheirão dos impostos que nós – os contribuintes – pagamos, e que vem sendo sistematicamente torrado da forma mais irresponsável. A propósito: alguém aí falou em crise? Que crise?         

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 19/01/2017

 

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