PÓS-GRADUAÇÃO

Pesquisador da UnB é o primeiro indígena a defender tese sobre sua própria língua

Foto: Júlia Seabra/UnB Agência

 

Perto de completar 52 anos, Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá conquistou um título de extrema importância. Tornou-se doutor em Linguística que, nas orgulhosas palavras do índio nascido em Tarauacá, no Acre, “vai curar as doenças da língua e da cultura”.

 

Ex-seringueiro, Joaquim começou a ser alfabetizado na década de 1980, quando tinha 20 anos, num programa coordenado pela Comissão Pró-Índio do Acre. "Na época, precisávamos de pessoas que soubessem escrever e que dominassem as quatro operações matemáticas. As lideranças locais pediram uma formação escolar para o povo Huni Kuin e eu fui escolhido. Voltei para a aldeia e já comecei a dar aula".

 

Tempos depois, ele cursou magistério e, nos anos 2000, fez graduação intercultural indígena na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

 

Entrou para o mestrado na UnB em 2008 e, agora, conclui o doutorado na mesma instituição, com a defesa da pesquisa “Para uma gramática da Língua Hãtxa Kuin”, que coroa a trajetória. O aluno do Programa de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de Letras da UnB é o primeiro indígena a escrever uma tese sobre sua própria língua.

 

Não foi fácil, são muitos desafios. Sair da comunidade, aprender outra língua, outros costumes e conceitos culturais, ficar longe da família. Mas, vale a pena. "O aprendizado dá horizontes para pensarmos em políticas educacionais para os povos indígenas”, conta.

Joaquim acompanhado por seus filhos durante a defesa da tese. Foto: Júlia Seabra/UnB Agência

 

“Estou muito feliz e orgulhosa”, sorri Albélia Martins, esposa de Joaquim, que foi prestigiar a defesa do marido acompanhada dos três filhos do casal. O amigo Wary Kamaiurá Sabino, mestrando da UnB, afirma que é gratificante ver um índio pesquisador da própria comunidade. “Trazemos uma história, um conhecimento tradicional, e a universidade nos oferece o conhecimento acadêmico”.

 

Joaquim Maná, como também é conhecido, continuará dando aulas na comunidade. Ele reforça que, ao todo, há onze áreas Huni Kuin no Acre e cinco delas apresentam algum problema em relação ao aprendizado oral da língua Hãtxa Kuin. “Nesses locais, por exemplo, os mais velhos falam a língua e os mais novos já têm dificuldade”, pondera.

 

Um dos projetos é fortalecer a formação de profissionais que trabalham nas áreas indígenas (professores, agentes de saúde e agentes florestais), contemplando áreas como oralidade, escrita e leitura da língua Hãtxa Kuin, além da formalização de conhecimentos tradicionais que envolvem as histórias, músicas, arte, uso da terra e das plantas medicinais indígenas e o estudo dos fenômenos naturais e da organização social do povo Huni Kuin.

 

“Discutiremos com a comunidade como está o nosso ensino hoje e traçaremos novas políticas, pensando em conteúdos, carga horária, ações específicas para cada idade e produção de material didático em Hãtxa Kuin”, comenta Maná.

 

Reportagem especial da Agência Brasil revela que, nos próximos 15 anos, 60 diferentes línguas indígenas podem desaparecer. O número representa 30% do total estimado de idiomas falados por diversas etnias no Brasil.

Ana Suelly Cabral, coordenadora do LALI, fala sobre a importância da tese. Foto: Júlia Seabra/UnB Agência

 

Para Ana Suelly Cabral, coordenadora do Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas da UnB (LALI) e orientadora da tese de doutorado de Joaquim, a pesquisa é fundamental para a preservação das culturas indígenas.

 

“Documentar as línguas e investir na formação de linguistas não índios são medidas importantes, mas a maior política, a meu ver, é formar índios especialistas, comprometidos com a sua realidade, com a sua história e que vão voltar para a comunidade e defender a continuidade das suas línguas, fundamentais para a identidade de um povo. São eles que não vão deixar que suas línguas morram”, ressalta.

 

A professora também destaca que a formação de indígenas pela UnB é fruto da política de que é possível se ter inclusão social com dignidade. “Até agora, o Programa de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de Letras da UnB tem oito mestres e dois doutores índios e, até 2016, outros três devem receber o título de doutor”, aponta Ana Suelly.

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