ANTIRRACISMO

Ações afirmativas e combate ao racismo estiveram no cerne das exposições e debates. Secretária do MIR apresentou panorama de políticas públicas

Norma Hamilton (E), Joaze Bernardino-Costa (C) e Berenice Bento (D) saúdam participantes na abertura do evento que encerrou hoje (5). Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

As construções coletivas necessárias para a igualdade racial estiveram em debate na III Jornada de Estudos Negros. Aberto à comunidade, o evento de três dias, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGSol/Sol/ICS) com apoio do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Ceam), teve início nesta terça-feira (3), no auditório do Instituto de Ciências Sociais (ICS), campus Darcy Ribeiro. Na conferência inaugural, a secretária de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Márcia Lima, apresentou o cenário das políticas públicas destinadas às questões raciais.

 

Lima explicou a atuação institucional e a estrutura da secretaria, cujas ações estão divididas em duas diretorias: a de Políticas de Ações Afirmativas e a de Políticas de Combate e Superação ao Racismo. Também professora da Universidade de São Paulo (USP), a secretária elencou marcos históricos sobre a organização do Estado frente aos desafios por igualdade. Apontou avanços desde a década de 1980, quando os debates raciais nos governos federais eram restritos a subcomissões, e lamentou retrocessos “das muitas idas e vindas” de status do MIR, reestruturado em 2023 após período de “desconstrução da política de igualdade racial”.

 

Entre as atividades da secretaria, a gestora destacou a atuação na revisão das leis de cotas para os ensinos superior e técnico e para concursos públicos. Também elencou programas como o Juventude Negra Viva e o Atlânticas, que, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destina bolsas de pós-graduação no exterior para mulheres negras, quilombolas, indígenas e ciganas. As propostas relacionadas à formação são permanentes na pasta, que enfrenta limitações de recursos humanos e orçamentários. Ano passado, segundo a gestora, havia apenas R$ 4 milhões para as ações de todo o ministério.

Enfrentamento à violência racial está entre os desafios imediatos na formulação de políticas públicas, aponta Márcia Lima. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB 

 

Apesar das restrições, o trabalho promovido na secretaria tem alcançado outros ministérios e estruturas de governo em “uma proposta de transversalidade”, que inclui a participação de assessorias especializadas. A maioria dos programas do governo federal, afirma Márcia Lima, apresenta metas de igualdade racial. “Sou feliz com as entregas, mas ainda há muito o que fazer”, diz.

 

No trabalho pela frente, ela listou 11 desafios imediatos. Entre eles, a aprovação de leis no Congresso Nacional, a recuperação de retrocessos atribuídos aos dois governos federais anteriores e à violência racial. Sobre esse último ponto, defendeu o uso de câmeras por policiais. “É algo que os vigia, mas também os protege”, diz, ao ressaltar que as corporações também são formadas por negros. “Acabar com a matança”, afirma ela, é uma das “mais desafiadoras e mais civilizatórias” necessidades da sociedade brasileira.

 

PROGRAMAÇÃO POTENTE – Eleições e candidaturas negras, construção de redes antirracistas, racismo religioso e perspectivas de ações afirmativas estiveram entre os assuntos em debate nas oito mesas-redondas da jornada. Grupos de trabalho dedicaram-se a discussões sobre ações afirmativas, feminismos e interseccionalidade e estudos negros empíricos. A conferência Impacto das Ações Afirmativas: do nacionalismo à diáspora africana encerrou a programação na tarde de quinta-feira (5).

 

Coordenador do evento e do PPGSol, o professor Joaze Bernardino-Costa (Sol/ICS) exaltou “a programação muito bonita e potente”. Na fala de abertura, disse que a jornada deveria mesclar as virtudes das edições anteriores, realizadas em 2016 e 2018. A primeira edição, relata, foi marcada pela presença de palestrantes externos, e a segunda, por apresentações de pesquisas de pós-graduação. Para este ano, ele aponta para “a centralidade da discussão de ações afirmativas”.

Também curador da Biblioteca Virtual Decolonial, o docente Joaze Bernardino-Costa destaca força da programação da jornada. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB 

 

Referência nacional em estudos raciais, Bernardino-Costa agradeceu o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), que possibilitou a presença de pesquisadores externos na jornada. Ele comentou com brevidade os primeiros passos da instalação de um observatório de política racial na UnB. Na instituição, ele também é curador da Biblioteca Virtual Decolonial, com foco em autores africanos. O acervo está disponível no Museu Virtual de Ciência e Tecnologia e é um dos marcos dos 40 anos do ativismo negro na Universidade.

 

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Presente na mesa de abertura, a chefe do Departamento de Sociologia, Berenice Bento, elogiou Joaze e a organização. Ela relatou suas motivações para a busca por letramento racial e ressaltou o caráter necessário do evento. “Deveria ser realizado todos os anos”, pontuou, após rememorar o distanciamento social ocorrido no “período tenebroso” de pandemia de covid-19. “Estamos reaprendendo a estar juntos”, disse.

 

Recém-anunciada coordenadora do Neab, Norma Hamilton iniciou a participação na mesa de abertura com música do jamaicano Bob Marley e encerrou com poema de autoria própria. Cantou trecho de Redemption Song, canção que traz reflexões sobre escravidão e liberdade. Após aplausos, exaltou intelectuais negras como Lélia Gonzalez e Sylvia Wynter e criticou a permanência de um pensamento eurocêntrico na sociedade. “A colonização pode ter acabado de forma jurídica e política, mas os efeitos continuam”.

 

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