INCLUSÃO

Em 5 e 6 de dezembro, evento realizado pelo Ceam reúne pensadores latino-americanos para falar sobre decolonialidade e interdisciplinaridade

 

Colóquio propõe discussão sobre a necessidade de incluir outros saberes na academia. Foto: Luís Gustavo Prado/Secom UnB

 

“O projeto decolonial não é novidade na América Latina, mas as pesquisas no Brasil estão um pouco afastadas do universo da discussão”, afirma Viviane Resende, professora do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP) da UnB. Este é um dos motivos para a realização do Colóquio Decolonialidade em Abordagens Interdisciplinares, entre os dias 5 e 6 de dezembro, no auditório do Departamento de Antropologia no Instituto de Ciências Sociais (ICS), no campus Darcy Ribeiro. As inscrições podem ser feitas até segunda-feira (4).

 

“Há necessidade do Brasil se integrar ao grupo de discussão na América Latina para superar os limites da colonialidade epistêmica. Para isso, é importante identificar o que é a colonialidade”, pondera Viviane Resende, que também faz parte da equipe organizadora do colóquio. “Decolonialidade não é uma teoria. Trata da estrutura de definições sociais que não foram superadas com a descolonização política [referente ao período das colonizações na América Latina] e disso resulta a colonialidade do poder”, explica.

 

O resultado disso, de acordo com a docente, pode ser visto nas próprias universidades, pois a academia está centrada nos saberes desenvolvidos pelo norte global. “Deve ser interesse da universidade debater em pé de igualdade. Não estamos em posição de inferioridade”, pondera. Segundo a docente, a UnB tem desenvolvido pesquisas sobre o tema, em várias áreas de estudo, como Direito, Relações Internacionais, Letras e Educação. O encontro, portanto, é uma oportunidade para que pesquisadores estabeleçam diálogo interdisciplinar.

 

Promovido pelo Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade (Nelis) do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam), o colóquio terá presença de pensadoras latino-americanas como Yuderkys Espinosa Miñoso (Glefas), Claudia Miranda (Unirio) e Camila Prando (FD/UnB). Haverá também participação de lideranças indígena Alceu Karipuna (Unifap) e quilombola Givânia Silva (PPG-Sol/UnB) e de mestras parteiras, tradicionais e urbanas.

 

NA PRÁTICA – Para integrar outras formas de construção de sentidos e saberes, além da formato canônico da academia, o evento será pontuado por debates, oficinas e apresentações – com as artistas Maria Tavares e Júlia Maia (As desempregadas) e Julie Wetzel e Lyvian Senna (O Longe - Cia. Burlesca). Além disso, Viviane Resende destaca que a composição das mesas foi pensada para abrir espaço de fala mais democrático, não sendo composta apenas por doutores.

 

Para entrar no clima do colóquio, a Secretaria de Comunicação entrevistou o líder indígena Alceu Karipuna, egresso do Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT) da UnB e professor de Medicina da Universidade Federal do Amapá (Unifap), que participa do encontro.  

Egresso da UnB, Alceu Karipuna integra saberes da Medicina e da tradição indígena. Foto: Arquivo Pessoal

 

Secom – Quais são os desafios para o diálogo entre os saberes da Medicina e os saberes indígenas em saúde?

Alceu Karipuna – Os desafios são inúmeros, mas o principal é combater o pensamento de que os saberes tradicionais e a Medicina ocidental – com todas suas tecnologias em saúde – não podem interagir de maneira respeitosa. Nos serviços em saúde encontramos inúmeros profissionais que não têm vivência alguma ou conhecimentos sobre povos tradicionais, sejam indígenas ou outros povos, e isto dificulta muito a maneira como vão interagir quando estiverem em determinados contextos.

 

Sendo indígena do povo Karipuna e médico, como foi a experiência, em nível pessoal, de realizar essa integração?

Desde o início de meus estudos na graduação, vivenciei inúmeras situações em que meus conhecimentos tradicionais, dos saberes da aldeia, eram postos à prova. No entanto, sempre mantive e cultivei minha identidade Karipuna, ainda que houvesse alguns momentos de silenciamento como forma de proteção. Isso me ajudou muito a compreender que eu circulava em dois mundos distintos, que mantinham para mim suas verdades e suas importâncias de acordo com o contexto em que eram colocados. Hoje não tenho problemas em ensinar aos meus alunos de Medicina a importância da convivência respeitosa com as práticas de cuidados dos povos indígenas. Com minhas atividades na universidade, posso instigar esses futuros médicos a saberem, em seus campos de práticas, que um indígena também tem seu sistema de saúde, que compreende diversos saberes tradicionais.

 

Sobre decolonialidade de forma ampla, como estabelecer pontes entre saberes indígenas e saberes hegemônicos?

É um desafio grande, porém não imutável. Penso que essa conexão se inicia a partir de discussões no campo teórico-prático, ainda que com iniciativas e experiências sem grande visibilidade. Atitudes assim vão, aos poucos, empoderando campos de práticas e o reconhecimento de tais discussões. Perceber grandes apoiadores e instituições sensíveis ao tema é fundamental. Trazê-los para o âmbito das discussões é um grande passo. É necessário torná-los parte desse processo, mostrá-los que a conexão entre saberes faz parte de suas responsabilidades sociais enquanto instituições de formação de conhecimento. Isso abre muitos espaços para mudanças nas influências do modelo colonial.

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