OPINIÃO

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Christina Maria Pedrazza Sêga é professora aposentada da Universidade de Brasília e doutora em Ciências da Comunicação (Universidade Nova de Lisboa).

Christina Maria Pedrazza Sêga

 

A tradição cultural dos negros africanos é imensa, sendo comumente sintetizada por eles pela palavra Odara, que tem origem nagô/iorubá. Odara significa “o bom, o belo, o técnico e o estético”, permitindo com isso um rico repertório para transmitir seu patrimônio simbólico e cultural através de gerações. Odara são todas as formas de comunicação afro-brasileira presentes nas suas dinâmicas de sociabilidade por meio de códigos comunicativos que interagem com os valores éticos, filosóficos e religiosos dos africanos e seus descendentes.

 

Algumas formas de comunicação africana foram marcantes para se entender a interação e a solidariedade entre os escravos no Brasil. Tais formas se fizeram presentes no dia a dia do negro, indo de costumes como as bonecas de pano conhecidas por abayomi e os objetos usados por eles para se solidarizarem com algum escravo fugitivo.

 

As abayomi têm como significado encontro precioso na língua iorubá, ao simbolizar a resistência e o poder feminino. Muitas vezes, quando as mães iam se separar das filhas, rasgavam suas saias e com os retalhos faziam essas pequenas bonecas, em forma de tranças ou nós que serviam como amuleto de proteção e identificação, por meio do reconhecimento do retalho da roupa, para futuro reencontro.

 

Outra forma de comunicação, interação e solidariedade foi trazida por meio de suas religiões vindas da África como o candomblé e umbanda. É de nosso conhecimento o costume que eles tinham aqui, no nosso país, em encontrar uma encruzilhada próxima a estradas desertas e lá deixar uma galinha morta, uma garrafa de aguardente, velas e fósforos. Esse gesto, muitas vezes interpretado pelos cristãos europeus e brasileiros como sendo feitiço ou malfeito era na verdade um ato de solidariedade com os outros escravos fugitivos dos quilombos. Esses objetos tinham o seguinte significado. A galinha já morta era para matar a fome dos fugitivos, o fósforo e o aguardente para assar a galinha, o aguardente para passar nas feridas e esquentar o corpo durante as noites frias, a vela acesa para iluminar o caminho da liberdade.

 

A contribuição cultural trazida pelos negros africanos no Brasil é tanto que muito dela já está integrada na cultura brasileira como a culinária, as danças, crenças, religiões, artesanato, palavras que foram incorporadas na língua portuguesa, aqui no Brasil, e costumes em geral.

 

Para o nosso conhecimento é oportuno dizer que uma expressão comumente ouvida por nós é a palavra saravá. De acordo com o Dicionário Houaiss, saravá é proveniente da fala dos escravos africanos da língua banto. Ao tentarem pronunciar o verbo salvar diziam salavá e, depois, com a evolução fonética passou a ser saravá. Nas religiões afro-brasileiras significa salve!; viva!

 

Então, saravá para a cultura africana no nosso país.

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