OPINIÃO

Marcelo Ximenes Aguiar Bizerril é professor e doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília.

Marcelo Bizerril

 

Esse não é um texto para falar das muitíssimas importâncias do Cerrado para a vida no Brasil e no planeta. Apesar do Cerrado continuar a sofrer com a destruição em mais um dia a ele dedicado, não escrevo para exaltar sua biodiversidade, os conhecimentos e culturas dos povos cerratenses, os serviços ambientais prestados, dentre eles o papel fundamental na malha hidrológica brasileira, ou ainda seu valor intrínseco, seu direito de existir, e o dos seres humanos de poderem admirá-lo. Até poderia dedicar o texto a esses essenciais assuntos, merecedores de toda a atenção. Mas é mais urgente falar da ausência do Cerrado no debate eleitoral.

 

Ainda que às custas de muita destruição e perdas de vidas humanas, a temática ambiental finalmente vem adquirindo força e centralidade no debate político no país. O centro das atenções é o desmatamento da Amazônia, alvo de críticas severas quanto o assunto é o descaso com o meio ambiente e a conivência com a violência no campo, e objeto de preocupação de candidatos e mídia quando o debate se volta aos cuidados com o planeta e, sobretudo, às relações internacionais e a preocupação global com o modo como o Brasil tem (des)cuidado da floresta.

 

Enquanto isso, o discurso hegemônico de exaltação do Agronegócio segue firme e inabalável na bancada da imprensa comercial e nos pronunciamentos dos políticos. Apesar de todas as evidências indicarem o Agronegócio como o principal agente destruidor do Cerrado, ele continua sendo “tech, pop e parceiro do meio ambiente” para a mídia comercial, e exemplo do “Brasil que dá certo” nas falas de candidatos liberais e ultraliberais. Mesmo nos discursos mais afinados com a ideia de sustentabilidade e de respeito aos povos tradicionais, o Cerrado não é sequer citado, sendo completamente excluído do plano de conservação e uso sustentado que parece incluir apenas a Amazônia.

 

É, portanto, fundamental que o Cerrado seja incluído nessa onda que vem se consolidando de transformar o Brasil em modelo mundial de preservação ambiental e de desenvolvimento a partir da Amazônia. Propostas e projetos já existem, inclusive no Congresso Nacional. A PEC 504/2010, aprovada por unanimidade no Senado, aguarda desde 2010 ser pautada na Câmara para incluir Cerrado e Caatinga dentre os biomas tratados como patrimônio nacional no artigo 225 da Constituição Federal. Já o projeto de lei nº 5462/2019, que dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Cerrado, tramita lentamente pela burocracia do poder legislativo. Ambos precisam ser tratados como prioridade pelo novo governo e a nova legislatura. Essas e outras políticas de valorização do segundo maior bioma brasileiro são primordiais para reverter o quadro de descaso que tem resultado em tamanha destruição. Ambientalistas, cientistas e políticos responsáveis com o futuro do planeta não podem perder essa derradeira oportunidade de salvar o que resta do Cerrado.

 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.