OPINIÃO

Marisa von Bülow é professora do Instituto de Ciência Política da UnB e pesquisadora visitante do German Institute of Global and Area Studies (GIGA-Hamburgo). É autora de quatro livros, entre eles Social Movements in Chile: organization, trajectories, and political consequences (Palgrave Macmillan, 2017). É doutora em ciência política pela Universidade de Johns Hopkins. As atividades docentes e de pesquisa se relacionam principalmente com os seguintes temas: novas tecnologias digitais e impactos na ação coletiva, movimentos sociais e relações Estado-sociedade na América Latina

Marisa von Bülow

 

O ritmo da política está se acelerando. Que o diga o novo presidente do Chile, Gabriel Boric, que há apenas uma década era um nome totalmente desconhecido do eleitorado. Foi em 2012 que Boric começou a ganhar espaço na cena política nacional, ao ser eleito presidente da poderosa Federação de Estudantes da Universidade do Chile, a mais importante instituição de ensino superior do país. No ano seguinte, elegeu-se deputado federal, e, em 2017, foi reeleito para mais um mandato. Dali, em apenas quatro anos, foi catapultado à Presidência da República.


Essa trajetória não chega a ser uma novidade. O movimento estudantil é uma das portas de entrada para a vida político-partidária. Apesar do papel dos movimentos sociais ser ignorado - ou pelo menos menosprezado - na literatura sobre partidos políticos e eleições, estes oferecem espaços fundamentais para o recrutamento e a socialização política. Temos inúmeros exemplos de líderes estudantis que se transformaram em líderes partidários, inclusive no Brasil. Podemos citar José Serra e Dilma Rousseff, para mencionar apenas dois exemplos da história recente. Mas ambos passaram décadas galgando os degraus do poder, até ocupar posições centrais em organizações partidárias e governos.


A trajetória de Boric chama a atenção, portanto, pela sua vertiginosa rapidez. A aceleração do ritmo da política, ou a compressão das temporalidades, nas palavras do cientista político Juan Pablo Luna, é reflexo de uma crise profunda da confiança dos eleitores nos partidos e nos políticos que aí estão e oferece oportunidades para a ascensão rápida de líderes como Boric.
Mas a trajetória de Boric também chama a atenção pela maneira como este se inseriu na política partidária, apresentando-se em 2013 como um candidato independente. Para entender o significado dessa opção, é preciso compreender o funcionamento do sistema político-eleitoral chileno à época de sua candidatura.


Ao optar por ser um estranho no ninho, Boric estava sendo coerente com as contundentes críticas que o movimento estudantil fazia a esse sistema, especialmente no que dizia respeito aos partidos políticos, que teriam se transformado em máquinas burocráticas e autoritárias incapazes de cumprir suas promessas e alheias às demandas populares.


Apesar disso, a decisão de concorrer como candidato independente não era óbvia. As regras rígidas do sistema eleitoral chileno vigentes à época tornavam muito difícil a eleição de um candidato outsider . Reformado apenas em 2017, o chamado sistema binominal havia sido aprovado no apagar das luzes da ditadura militar (1973-1989). Era um sistema que determinava a eleição de dois parlamentares por distrito, induzindo os atores a aglomerarem-se em apenas duas opções. Além disso, o sistema de contabilização de votos exigia que, para assumir as duas cadeiras de um mesmo distrito, um partido (ou coligação) tivesse no mínimo o dobro de votos do segundo colocado. Na prática, esse sistema garantiu à minoritária direita chilena, derrotada no fim da ditadura militar, uma desproporcional presença parlamentar e o consequente poder para vetar muitas das mudanças propostas pelos governos pós-democratização.

 

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Publicado originalmente em Portal Uol em 23/12/21

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