Fabrício Monteiro Neves
As instituições, embora possuam relativa inércia quanto à sua identidade e seus processos, recorrentemente são moldadas e transformadas pelos indivíduos. Nem todas as pessoas têm a capacidade de deixar nelas marcas indeléveis, mas algumas adquirem tamanha proeminência que instituição e pessoa se tornam entes inseparáveis. O falecimento recente da professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Lourdes Maria Bandeira fez-me refletir sobre essa controvérsia da sociologia institucional, identificando, com certa facilidade, mas saudosismo, o quanto Lourdes contribuiu para as ciências sociais, para o pensamento e lutas feministas, para os direitos humanos e para os seus colegas e alunos que com ela se relacionaram nesses 40 anos de vida profissional e pública.
Há no centro dessa trajetória influente e de sucesso uma concepção e uma consciência que resistiram aos imperativos institucionais de sociedades marcadas pela violência física e simbólica contra as mulheres. Como Lourdes mesmo chegou a dizer: “Penso que nada assegura que o ‘desaparecimento’ do sistema capitalista restaure a igualdade entre homens e mulheres, porque a opressão sobre as mulheres é uma questão da sua condição de ser mulher e não da sua condição de ser classe trabalhadora” (Entrevista a Lourdes de Maria Leitão Nunes Rocha, realizada em abril de 2010). O sentido da frase é inequívoco: a luta pela igualdade de gênero transcende a luta anticapitalista, embora se relacione a ela. Nesse sentido é que se observa a coerência da trajetória de Lourdes, já que em sua visão, a dominação masculina era ubíqua ao conjunto de relações sociais nas quais nos envolvemos e, portanto, teria que ser denunciada quando e onde quer que seja, mesmo que isso não significasse necessariamente a extinção do capitalismo.
Sua geração – e Lourdes é uma das maiores lideranças dela – almejou a igualdade de gênero em todas as esferas da vida, e seu sucesso deve-se mais à implantação da agenda do feminismo na academia e nas políticas públicas, que propriamente na redução dos casos de feminicídio e violência de gênero. Certa disso, Lourdes não se omitiu ou abandonou a causa, mesmo em situações nas quais o insucesso ensejava derrota, sua agenda era divulgada e seu ânimo redobrado. Víamos uma intelectual e militante com vigor e vontade que negava o desengajamento, mesmo nos sombrios tempos recentes, nos quais sua agenda e luta foram ameaçadas e demonizadas.
Essas trajetórias são raras, mas marcam de forma ampla e profunda a vida de pessoas e instituições. São essas marcas que nos ressignificam e afetam de modo transcendente, como se uma Bandeira tivesse sido hasteada em nossa alma: permanecem, a despeito do tempo implacável e nos engaja, a despeito da tristeza e prostração que a morte nos sugere.
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