OPINIÃO

Ivan Marques de Toledo Camargo é graduado em Engenharia Elétrica pela UnB, mestre e doutor em Génie Electrique - Institut National Politechnique de Grenoble (França). Professor do Departamento de Engenharia Elétrica. Foi reitor da Universidade de Brasília, decano de Ensino de Graduação/UnB, superintendente de Regulação do Serviço de Distribuição e assessor da Diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético e editor da Revista Brasileira de Energia.

Ivan Camargo

 

Esta semana, o Ministro de Minas e Energia anunciou, em cadeia nacional, que a crise hídrica se agravou e pode ser considerada a pior da história do Brasil. É verdade.

 

Num passado recente, em 2001, vivemos a experiência de um racionamento de energia elétrica causado pela mesma falta de água necessária para movimentar as turbinas das nossas usinas hidroelétricas. Naquela época, como assessor da diretoria da Aneel, participei ativamente das discussões e das reuniões da Câmara de Gestão da Crise no Palácio do Planalto. Muitos erros que discutimos e diagnosticamos na época, poderiam ter sido evitados nos dias de hoje. Não foram.


O primeiro consiste em imaginar que é possível reduzir o consumo de energia elétrica por solicitação do governo. No final do período chuvoso de 2001, a situação dos reservatórios já era muito delicada. Foi feito um apelo à população para fazer uma redução voluntária do consumo. Os dados da época, assim como os de hoje, mostram que não houve nenhuma redução significativa da carga.


A experiência internacional aponta na mesma direção. No mesmo ano de 2001, a Califórnia teve problemas no seu setor de energia elétrica. O governo fez um apelo para a redução de 5% do consumo e não teve êxito. Teve que impor cortes setoriais de carga.


Reduzir o consumo de energia elétrica significa privar-se do conforto da vida moderna. No Brasil, por exemplo, isso pode ser feito desligando o aparelho de ar condicionado. Ou seja, sentindo o desconforto do calor. Em menor escala, em casa, é possível desligar o chuveiro elétrico e tomar banho frio. Ninguém toma esta iniciativa se não tiver um forte incentivo ou a enorme ameaça do desligamento compulsório da carga.


O atual governo cometeu o mesmo erro. No final de abril a situação já era crítica e nada foi feito. Perdemos quatro meses preciosos de economia. As medidas econômicas anunciadas me parecem insuficientes para o tamanho da crise atual.


Decretar um racionamento é uma medida radical e muito impopular. No entanto, o governo precisa ter clareza que, muito pior que o racionamento, é submeter a população a cortes aleatórios e imprevisíveis da carga.


Faltou, também, planejamento. No ano passado, ano da pandemia, houve uma grande redução do consumo. Teria sido a melhor oportunidade para recuperar os níveis dos reservatórios que vinham sofrendo com a escassez de chuvas desde 2014. Usamos as nossas reservas de água e terminamos o período seco com os reservatórios da região sudeste abaixo da cota de 20%. O ano de 2021 foi ainda pior. Tem chovido algo em torno de 60% da média histórica. Uma verdadeira catástrofe.


Outra ação incoerente foi decretar o final do horário de verão. A economia obtida com a mudança do horário é, de fato, pequena, no entanto, tem o mérito de sinalizar para a importância do uso racional da energia elétrica.


A maior falha do governo, na minha opinião, está na comunicação. Em 2001, a transparência dos dados, a parceria com a imprensa e a seriedade das autoridades que conduziram o processo de racionamento passavam uma sensação de confiança e urgência à população.


Para que haja a aceitação da população dos sacrifícios que vamos ter que passar, é preciso um esforço de união nacional. De nada adianta uma postura agressiva ou de confronto. Precisamos de lideranças políticas que estejam sintonizadas com os formadores de opinião e, principalmente, com a dimensão do problema que estamos vivendo. Não temos tempo, nem energia, para desperdiçar neste momento.

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