OPINIÃO

Rafael Litvin Villas Bôas graduado em Jornalismo, mestre em Comunicação Social e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília. Possui pós-doutorado pelo PPG em Artes Cênicas da USP. É professor da Licenciatura em Educação do Campo da Faculdade UnB Planaltina, do Mestrado Profissional em Artes (Profartes pólo UnB) e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPG-CÊN). Coordena o grupo de pesquisa Terra em Cena: teatro, audiovisual e educação do campo. 

Rafael Litvin Villas Bôas

 

Nota: o texto foi escrito antes da pandemia do Covid-19, por esse motivo não repercute os dados recentes da cobertura positiva na imprensa das medidas que a UnB, e outras universidades públicas, adotaram em diversas dimensões do combate à pandemia. O protagonismo, praticamente exclusivo, das instituições públicas de ensino superior e da área de pesquisa no momento de acirramento da crise sistêmica ressalta, por efeito de contraste, que a opção por uma narrativa pejorativa da mídia sobre as universidades é sempre a adesão política a um ponto de vista e não um apego “à verdade dos fatos”.

Nos anos recentes, intensificou-se, na mídia brasileira, a narrativa pejorativa ao ensino público, de modo geral e, em particular, ao ensino público superior. Apesar de a universidade pública brasileira ser a responsável por cerca de 90% da produção de conhecimento no país, por meio de ações de pesquisa e extensão em resposta às demandas sociais, econômicas e políticas pautadas pelo conjunto da sociedade, os meios de comunicação empresariais não direcionam a cobertura sobre a ação das universidades pelo reconhecimento e divulgação dessa produção.


Com expressões como “precarização”, “rebaixamento da qualidade acadêmica”, “ineficiência” inúmeros artigos e reportagens constroem uma imagem pejorativa de um segmento da educação brasileira que se beneficiou de políticas públicas e investimentos, ampliando em larga escala a oferta de vagas, de cursos, de produção de pesquisa e ações de extensão, sobretudo, a partir do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)[1].

 
Em mapeamento sobre a cobertura que a imprensa fez sobre a UnB nos anos 2017, 2018 e 2019, a equipe do programa de extensão Comunicação e Extensão em Rede[2] , do Decanato de Extensão da UnB, identificou que cerca de 32% das reportagens publicadas em mídia eletrônica e impressa abordaram temas de violência e droga nos campi da UnB, e 49% das matérias abordaram a pauta de serviços ou infraestrutura. Portanto, nesse período, apenas 19% da cobertura foi dedicado à atividade fim da Universidade de Brasília: o ensino, a pesquisa e a extensão.

 

 



A reflexão sobre esses dados nos leva a crer que há uma linha editorial estabelecida pelos meios de comunicação empresariais sobre a UnB e o ensino público superior, em que a produção de qualidade gerada pelas ações de pesquisa e extensão dos 132 cursos de graduação, 90 programas de mestrado e 69 de doutorado não merecem a mesma a repercussão de notícias, como UnB aparece com pichações publicada pelo Correio Braziliense em 03 de maio de 2018, ou Estudante tem notebook furtado dentro do campus da UnB publicada pelo portal Metrópoles em 19 de outubro de 2018, ou ainda Aluna da UnB é assaltada a caminho do campus da universidade publicada pelo portal G1 no dia 14 de setembro de 2017.

Quem deveria defender a qualidade das universidades e institutos federais – o governo federal por meio do Ministério da Educação – sustentadas por inúmeras pesquisas e rankings nacionais e internacionais, para garantir mais investimentos no orçamento federal, surpreendentemente, age como estimulador das pautas pejorativas, estigmatizando as universidades, inclusive, nominalmente a UnB, como produtora de “balbúrdia”, um termo vulgar e impreciso, que certamente não leva em conta a quantidade e qualidade de monografias, dissertações, teses, artigos acadêmicos e programas, projetos e cursos de extensão produzidos pelas universidades.


Até mesmo quando a pauta não é, a priori, negativa, a cobertura da UnB se limita ao tratamento da instituição como se ela se restringisse à ação do ensino, circunscrita ao horizonte da sala de aula.

Pode ser diferente?

É comum em meios de comunicação de outros países o espaço ampliado na mídia para a cultura científica e para a divulgação da apropriação social dos projetos acadêmicos: as novas descobertas da ciência; o impacto qualitativo dos projetos de extensão desenvolvidos em diversos territórios e comunidades; temas de interesse comum que podem ser socializados de modo a ampliar o conhecimento de conceitos e categorias antes restritos aos especialistas; divulgação e, sobretudo, cobertura das atividades abertas à sociedade, promovidas pelas universidades, etc. Todavia, no Brasil, o que nos acostumamos a ver em telejornais e páginas de jornais impressos e eletrônicos é o destaque para notícias espetaculares sobre violência – assaltos, tiroteios, sequestros, assassinatos, quadrilhas – são a pauta do cotidiano, que ganham dias de repercussão, a depender do potencial mercantil da notícia.


Podemos, portanto, nos questionar porque exemplos significativos da busca de diálogo da universidade com a sociedade são sistematicamente ignorados pela imprensa empresarial. Um exemplo foi a cobertura da 19ª edição da Semana Universitária da UnB, ocorrida entre 23 e 27 de setembro de 2020. Mesmo diante das graves restrições orçamentárias impostas pelo MEC a universidade conseguiu o feito de apresentar um crescimento exponencial na quantidade de ações de extensão ofertadas nesse evento: eram da ordem de três centenas em 2016, quatro centenas em 2017, mais de 600 em 2018 e chegaram ao recorde de 879 atividades ofertadas em 2020. Além disso, cresce anualmente o volume de programas e projetos de extensão. Esses dados objetivos poderiam ser informação para os diversos meios de comunicação que atuam no Distrito Federal. Um título plausível para uma reportagem seria: Apesar da redução de investimentos federais, UnB apresenta aumento exponencial do volume de ações de extensão na Semana Universitária.


Entretanto, naquela semana, a cobertura no jornal de maior tiragem da capital, a única notícia referente à Semana Universitária foi uma pequena nota no canto inferior esquerdo da capa do dia com a chamada Resistência nas estantes: em visita a Brasília para um encontro com leitores e para receber o título de honoris causa da UnB, o moçambicano Mia Couto fala ao Correio sobre seus livros, relação África-Brasil e o papel da literatura no mundo atual. Nem convidando uma celebridade de repercussão internacional como o escritor Mia Couto, a imprensa associa a vinda a participação dele no evento da Semana Universitária da UnB.


Além de seguir cobrando a divulgação das inúmeras ações positivas que a Universidade de Brasília produz diariamente, resultado do trabalho de extrema competência da comunidade de mais de 58 mil pessoas formada por professores, técnicos e estudantes, é importante consideramos a importância de incluir a comunicação de nossas ações como uma das tarefas de nossos grupos de pesquisa e ações de extensão, estimulando nossas equipes para que se tornem comunicadores por meio dos diversos suportes e linguagens, ampliando a quantidade e qualidade da informação que produzimos sobre nosso trabalho para a sociedade.


 

[1] Sobre esse assunto vale conferir dois artigos do professor Marcelo Ximenes Bizerril: A expansão das universidades brasileiras e sua potencial contribuição ao desenvolvimento do país e A interiorização das universidades federais foi um acerto estratégico para o Brasil.

[2] Levantamento desenvolvido pelas estudantes bolsistas Alane Beatriz da Nóbrega Martins e Lana Carvalho Lustosa Pimentel, que atuaram no primeiro trimestre de desenvolvimento do programa.

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