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OPINIÃO

Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Isaac Roitman

 

Pessoas e instituições fazem a história. Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira conceberam no início da década de 1960 a Universidade de Brasília (UnB) para um salto na educação superior do país. A primeira grande crise na UnB ocorreu entre os anos de 1964 e 1965 em um cenário de prisões de professores e o afastamento de 79% dos docentes, dos quais 16 foram demitidos e 223 solicitaram demissão face a impossibilidade de continuarem trabalhando em um quadro de dignidade e respeito à autonomia universitária. Esse episódio foi registrado de forma notável pelo professor Roberto Salmeron no livro Universidade Interrompida Brasília 1964-1965 (editora da UnB). Nos 57 anos de vida da UnB, outras graves crises ocorreram e foram superadas com muito suor e lágrimas.


O artigo terceiro do Estatuto da UnB diz: "São finalidades essenciais da Universidade de Brasília o ensino, a pesquisa e a extensão, integrados na formação de cidadãos qualificados para o exercício profissional e empenhados na busca de soluções democráticas para os problemas nacionais". Esses princípios foram sempre defendidos pela comunidade universitária.

 

Atualmente, a UnB está sendo submetida a uma asfixia orçamentária que compromete o exercício pleno de sua missão. A comunidade universitária e a sociedade brasiliense e do Brasil estão unidas na defesa da educação pública brasileira. A UnB, segundo o Times Higher Education, é a quinta melhor universidade do Brasil e a 15ª, da América Latina. Foi pioneira nas políticas inclusivas - cotas - que resultou, como mostra o estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que mais de 70% dos estudantes das universidades federais vêm de famílias com renda até um salário mínimo e meio. A UnB está viva. Um exemplo foi a iniciativa dos estudantes de criar uma disciplina Darcy Ribeiro: pensamentos e fazimentos, que será oferecida pelo Decanato de Extensão (DEX) e terá como local o Memorial Darcy Ribeiro (Beijódromo) para mostrar os feitos e legados do fundador de nossa Universidade.

 

Em 2017, na lembrança de 20 anos do falecimento de Darcy, a Secretaria de Comunicação da UnB convidou o autor desse artigo para responder perguntas em uma entrevista imaginária com Darcy. Eis a resposta à pergunta: "E qual a mensagem para a juventude brasileira?"

"Em primeiro lugar, gostaria de convocar os jovens para um olhar para o futuro. As próximas décadas serão de lutas para um renascer do Brasil. Antevejo algumas dessas batalhas. A primeira delas será reconquistar a institucionalidade da lei original que criou a Universidade de Brasília como organização não governamental, livre e autoconstrutiva. Depois dessa reconquista, a expansão dessa estrutura para todas as universidades públicas do país. Simultaneamente, cumpre libertar-nos da tutela ministerial, assumindo plenamente a responsabilidade na condução de nosso destino. Os jovens deverão ser protagonistas para, de forma permanente, reinventar o ensino básico e superior, de graduação e pós-graduação, fazendo deles instrumentos de liberação do Brasil. Olhando para o futuro, nostálgico dos velhos tempos, o que peço é que voltem ao Campus Universitário Darcy Ribeiro e a todos os campi do país, aquela convivência alegre, aquele espírito fraternal, aquela devoção profunda ao domínio do saber e a sua aplicação frutífera. Vocês jovens devem ser protagonistas para elaborar uma versão contemporânea dos Centros Integrados de Educação Popular (CIEPs), iniciativa do governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro nos quais as crianças possam ter uma educação de qualidade em tempo integral. Repito uma frase minha: "A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto". Desmontar esse projeto é a nossa principal causa. Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas. Deixo como herança os meus fracassos, para que sejam transformados em vitórias pelos jovens dessa e das próximas gerações. E deixo o recado primeiro e último aos jovens: sejam brasileiros sempre apaixonados pelo Brasil".

 

E repito: Somos todos UnB.

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 19/8/2019

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