OPINIÃO

Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (2002) e professor da UnB, na Faculdade da UnB de Planaltina (FUP) e nos Programas de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPG-Mader) e Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT/CDS). Foi professor visitante (2014-2015) no International Institute for Social Studies (ISS), da Erasmus University Rotterdam (Holanda), com bolsa pesquisador sênior da CAPES. É mestre em Filosofia da religião pela School of Mission and Theology - Faculty of Arts/University of Bergen, Noruega (1996), graduado em Teologia pela Escola Superior de Teologia (1986) e em Filosofia pela Universidade Católica de Goiás (UFG). Foi professor das Universidades Católica de Goiás (PUC-Goiás) e Católica de Brasília (UCB) e assessor parlamentar no Senado Federal. 

Sérgio Sauer¹

 

Em 2009, em memória aos auditores fiscais do trabalho assassinados em Unaí/MG, foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil. Quatorze anos depois, 28 de janeiro, infelizmente, não é um dia de comemoração. É, na verdade, expressão de injustiça e impunidade. Injustiça porque os mandantes confessos da chacina de 2004 – que foram condenados em júri popular em 2013 –, ou tiveram as penas reduzidas ou o júri anulado em novembro de 2018 e estão soltos. Impunidade porque as práticas e o uso de trabalho escravo não tem a devida punição dos verdadeiros responsáveis, além de multas, que não são pagas.


É um dia de alerta, se não de vergonha nacional, pois o Brasil continua sendo um país marcado por práticas escravagistas. De acordo com relatório da Walk Free Foundation, publicado em 2018, havia 369 mil pessoas submetidas à escravidão em 2016, colocando o país em 20º lugar entre os 27 das Américas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), com base em dados oficiais do Ministério do Trabalho, registra que foram libertados 49.816 trabalhadores, encontrados em situação análoga à escravidão entre 1995 e 2015.


O Brasil já foi considerado pela OIT, um exemplo a ser seguido, especialmente após o pacto nacional de combate ao trabalho escravo. Em 2003, foi lançado o primeiro Plano de Erradicação do Trabalho Escravo (e o II Plano em 2008) e instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Composta de vários representantes governamentais (especialmente Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho) e de organizações da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Conatrae tinha como objetivo acompanhar e fiscalizar as ações dos planos de erradicação.


O combate às práticas de trabalho escravo passou a contar também, a partir de 2004, com a conhecida “lista suja”. Essa é uma base de dados do Ministério do Trabalho, que tem como objetivo tornar público semestralmente, a lista de empregadores infratores, pessoas físicas ou empresas, nas situações em que houve resgate de pessoas e em que os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instância. As ações governamentais, lideradas pelo Ministério do Trabalho, foram dotadas de recursos, ampliando a fiscalização e a libertação de pessoas submetidas à condição análoga de escravos.


Ainda em 2004, a Câmara dos Deputados, em votação em primeiro turno, aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438, de 1999, que prevê o confisco de imóveis rurais onde for flagrado trabalho escravo, destinando as terras à reforma agrária. Finalmente aprovada pela Câmara em 2012, esta PEC não foi regulamentada até hoje, pois há fortes oposições afirmando que não há consenso na definição de trabalho escravo.


Os retrocessos não se restringem à inexistência de prejuízos econômicos mais severos aos escravagistas. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Portaria Interministerial no. 2, de 2011, questionando as regras para a formação da “lista suja”. Em 2014, o Supremo Tribunal Federal bloqueou a atualização e publicação da “lista suja”. Essa liminar, alegando prejuízos devido a fiscalizações, foi suspensa pela ministra Carmen Lúcia, em 2016. Michel Temer (2016-2018) manteve o bloqueio da lista, até ser forçado pela justiça em 2017 a publicá-la. Ainda, em 2017, o Governo Temer publicou a Portaria Ministerial com uma série de mudanças, estreitando a caracterização do trabalho escravo e o reduzindo a apenas situações de cerceamento da liberdade. Houve uma queda na atuação governamental, com a diminuição nas inspeções – foram 207, em 2016, e apenas, 184 em 2017 –, resultando em uma queda brutal nos casos de pessoas resgatadas.

 

As perspectivas são de agravamento das relações de trabalho, inclusive do trabalho escravo, no novo governo. Além da flexibilização das leis trabalhistas, ocorridas em 2017, a edição da Medida Provisória 870, em janeiro de 2019, extinguiu o Ministério do Trabalho. A Secretaria de Fiscalização foi deslocada para o Ministério da Economia e os discursos contra a Justiça do Trabalho demonstram, no mínimo, a ausência de qualquer compromisso com a erradicação das condições precárias de trabalho no Brasil.

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¹Professor da UnB, na Faculdade da UnB de Planaltina (FUP) e nos Programas de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPG-Mader) e Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT/CDS).

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