OPINIÃO

Thaïs de Mendonça Jorge é professora do Departamento de Jornalismo (FAC) e foi Secretária de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB).

Thaïs de Mendonça Jorge

 

Sob o impacto da II Guerra Mundial (1939-1945), quando morreram 47 milhões de pessoas no evento que mais ceifou vidas na história da humanidade, nações de todo o mundo se reuniram, em 1948, para pensar sobre a paz mundial. No Brasil, a participação no esforço bélico significou um total de 443 mortos e 3 mil feridos. A Organização das Nações Unidas – em substituição à antiga Liga das Nações – havia sido fundada em 1945. Adolf Hitler e a bomba de Hiroshima ainda assombravam o mundo.

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada pela ONU no dia 10 de dezembro de 1948. Não era um documento mandatório e no caput expressava apenas “o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações” e a premissa de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade se esforçasse por promover o respeito a direitos e liberdades. Caberia ao conjunto dos países, por meio do ensino e da educação, adotar medidas para que os princípios elencados fossem seguidos, não só no próprio território, como zelando pela aplicabilidade em outras áreas do planeta.

 

Segundo o Guinness, a Declaração é o documento mais traduzido no mundo: até agora, 403 versões em todos os continentes. Ensinada nas escolas, lida no teatro e na TV, ela não surgiu da noite para o dia. Na II Guerra, os países aliados tinham adotado um regime de quatro liberdades: de palavra e livre expressão, de religião, de viver livre do mundo e a liberdade por necessidades. Entretanto, isso não foi suficiente.

 

O canadense John Peters Humphrey, diretor da seção de direitos humanos da recém-fundada ONU, recebeu a incumbência do secretário-geral de trabalhar no texto da Declaração e convidou membros ilustres de outros países a colaborar: a mulher do presidente norte-americano Franklin Roosevelt, Eleanor Roosevelt; o filósofo francês Jacques Maritain; o jurista e Nobel da Paz, René Cassin; o chinês P.C. Chang e o libanês Charles Malik, entre muitos.

 

Em 2018, quando celebramos os 70 anos da Carta, esta espécie de Constituição dos Direitos e Deveres do ser humano, podemos refletir sobre o que é o humano, e voltar às velhas questões: quem somos e o que queremos? A palavra humana não designa apenas nós, os humanos – o Homo sapiens sapiens –, e sim todo o gênero denominado Homo. O gênero envolve outras espécies: o Homo habilis e o Homo erectus, que nos antecederam na escalada da vida terrestre.

 

Ao propor um tema para a campanha de comunicação de 2018 da Universidade de Brasília, a Secretaria de Comunicação seguiu a orientação da professora Márcia Abrahão. A reitora lembrou a efeméride – sete décadas da Carta da ONU – e nós, a equipe da Secom, num brainstorming extremamente feliz e produtivo, chegamos, em dezembro de 2017, ao slogan “UnB Mais Humana”. Estaria a UnB menos humana a ponto de precisar de um reforço nessa área? – perguntamos, prevendo as críticas.

 

O que significa uma UnB Mais Humana? Se a evolução dos valores humanos pode ser traçada, desde a história antiga, pelas pessoas, pelas crenças e religiões, governos, instituições e organizações, pelo modo de uma pessoa humana se inserir no mundo da vida, desde Ciro – rei da Pérsia, autor do primeiro registro de uma declaração de direitos. Se a Carta Universal reconhece “a dignidade de todos os membros da família humana” que, em direitos iguais e inalienáveis, “constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz”. Se “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e, com as faculdades da razão e da consciência, devem agir em espírito de fraternidade, a Universidade de Brasília convida a todos para uma reflexão sobre o que seria nossa humanidade.

 

No artigo 26, a Declaração dos Direitos Humanos lembra que toda pessoa tem direito à educação: “A educação deve visar a plena expansão da personalidade humana e o reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos”. Porém, enquanto no artigo 27 advogava “o direito de tomar parte da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e participar do progresso científico”, a Carta não deixou de falar em deveres.

 

“O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”, reza o artigo 29. Nas atividades do Boas-Vindas, na presença de intelectuais e pensadores de vários ramos, nas salas de aula, auditórios e nos corredores, nos laboratórios e em sessões de campo, culturais e científicas, na pesquisa e na extensão de seus campi, a UnB necessita da inteligência coletiva de todos os que aqui passam parte de suas vidas humanas para continuar a sua construção perene e defendê-la.

 

Dando sequência ao pioneirismo herdado de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, a UnB inova mais uma vez e propõe um chamamento mais humano: “Bem-vinda(o)”. Contrariando a língua portuguesa, colocamos o feminino primeiro. Bem-vindas e bem-vindos todos os novos e antigos integrantes desta comunidade, que têm um novo ano pela frente: um ano cheio de desafios, no qual a criatividade e o conhecimento serão nossos melhores e mais eficazes instrumentos em direção a uma melhor qualidade de vida para cada ser humano.

 

Por uma Universidade mais humana, com mais respeito, mais solidariedade, mais autonomia, mais cidadania, mais equidade e mais compromisso.