CINEMA

Gui Campos recebeu quatro Kikitos no Festival de Gramado com o curta-metragem Rosinha e venceu o Festival de Huesca, na Espanha

Frame do curta-metragem Rosinha. Foto: Divulgação

 “Eu demorei muito para falar essa frase, mas digo hoje, de peito cheio, que eu sou artista.” A afirmação é do cineasta brasiliense Gui Campos, que aos 36 anos de idade – 15 de carreira no cinema – se vê em uma fase amadurecida da paixão que mantém desde a infância, mas para a qual passou a se dedicar com maior afinco quando ainda frequentava o curso de Jornalismo na Universidade de Brasília, onde se formou em 2004. Seu filme Rosinha, o qual escreveu e dirigiu, ganhou quatro Kikitos no Festival de Gramado deste ano e venceu o Festival de Huesca, na Espanha. Com essa vitória, conquistou também o direito de inscrever a obra na seleção do Oscar 2017 na categoria curta-metragem.

 

No Festival de Gramado, um dos maiores eventos de cinema do país, o filme foi premiado nas categorias Melhor Curta-Metragem, Melhor Roteiro, Prêmio Especial do Júri para a atriz protagonista da trama, Maria Alice Vergueiro, e Prêmio Aquisição Canal Brasil. “Rosinha é uma história de amor. Achava meio piegas falar de amor, mas hoje em dia eu acho massa”, comenta Campos, que é também músico e mestre em Comunicação e Estudos da Mídia pela Universidade Antonio de Nebrija, na Espanha.

 

O cineasta trata, com leveza, de um triângulo amoroso entre idosos e coloca em embate as visões do retrógrado e do moderno, invertendo as convenções sobre o que se considera comportamento comum ao jovem e ao velho.

 

Rosinha, que surge de suas memórias de infância, fase em que também descobriu o amor pelo cinema ao frequentar festivais no Cine Brasília, reflete um desejo de Campos em tratar sobre questões mais delicadas, como o amor. “O papel do artista é viver, entender essa realidade que, para mim, cada pessoa vê de uma forma diferente e cada um se relaciona com o mundo a partir de sua experiência, que é diferente da do outro. Nosso papel é trazer um pouco de poesia, fazer as pessoas enxergarem que, além dessa parte fácil de se ver, há muitas outras coisas”, avalia.

 

Imperfeito (2011), curta de Gui Campos premiado no Festival de Brasília, também trabalha com a questão amorosa, a partir de um relacionamento mal resolvido. Mas nem sempre o tema esteve presente em seus filmes. Foi com uma comédia despretensiosa que deu seu ponta pé no universo cinematográfico: Sequestramos Augusto César (2004), seu primeiro curta, idealizado durante as aulas de Jornalismo e que se transformou em projeto de conclusão de curso. Mal imaginava que veria a produção reconhecida também em Gramado, com o prêmio de melhor ator para Lauro Montana.

 

A partir daí, teve início uma longa trajetória realizando filmes em sua própria produtora, também esboçada durante a passagem de Campos pela UnB junto a outros colegas da Faculdade de Comunicação. Não se lembra ao certo quantos filmes se somam ao currículo – são cinco ou mais, alguns nunca exibidos em festivais –, mas quer contabilizar outros projetos em sua “coleção”, como um roteiro para longa-metragem, que contará com recursos do Fundo de Apoio à Cultura, o documentário Levino, realizado junto a Davi Alves Matos, sobre o maestro Levino e a série infantil de televisão A Escola dos Mistérios, dirigida com Ana Cristina Costa e Silva.

 

Por enquanto, o momento é de Rosinha. É com ele que o diretor acumula premiações Brasil afora e em eventos no exterior, como o Festival de Cinema e Artes de Expressão Ibérica, em Portugal, e o Kolkata Shorts International Film Festival, na Índia. Quatro festivais europeus e dois na América do Norte também receberão o filme nos próximos meses.

Premiação do curta-metragem Rosinha no Festival de Gramado. Foto: Canal Brasil

 

O curta estreia na capital federal neste domingo (25), com exibição às 16h30, na Mostra Brasília do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que vai até terça (27), no Cine Brasília. Outros cineastas egressos da UnB também estão com filmes na programação. Formado em Comunicação Social, Jimi Figueiredo concorre pela Mostra Competitiva com o filme Malícia, único brasiliense na disputa. Por sua vez, João Gabriel Caffarelli (O Luto), Flora Egécia (Das Raízes às Pontas), Johil Carvalho (Vesti La Giubba), Santiago Dellape (A Repartição do Tempo), Fernando Gutiérrez (Juraçu) e o professor emérito da UnB Vladimir Carvalho (Cícero Dias, O Compadre de Picasso) estarão na Mostra Brasília.

 

<< Confira o teaser do curta-metragem Rosinha:

 

Em entrevista à Secretaria de Comunicação da UnB e à UnBTV, Gui Campos fala mais sobre Rosinha, sua infância, a influência da Universidade em seus projetos e o bom momento vivido pelo cinema em Brasília.

 

Secom/UnBTV: Quando resolveu que queria seguir essa trajetória?

 

Gui Campos: Meu pai sempre teve câmera. Quando eu era pequeno, ele tinha uma Super-8, então, minha infância foi toda filmada. Desde moleque eu me juntava com os amigos do prédio e íamos fazer filmes. Nós fazíamos uns até legais, mas essas fitas se perderam. Meu pai também pilotava ultraleve e a pista da Associação de Pilotos de Ultraleve de Brasília ficava ao lado do Cine Drive In. Então, eu [ia junto e] atravessava a cerca, sentava no Drive In e ficava assistindo filmes. Outra coisa que me levou para esse caminho foi o Festival de Brasília – o Cine Brasília era ao lado da minha casa, então comecei a frequentar muito novo o festival e a achar muito legal.

 

Secom/UnBTV: Você foi aluno da Faculdade de Comunicação. Como a UnB influenciou no seu trabalho?

 

Gui Campos: Eu ainda me considero aluno da UnB. Um dos grandes trunfos da Universidade é sair dessa coisa da “escolinha”: é um lugar onde estão acontecendo um milhão de coisas legais. Quando eu era aluno, fazia tudo isso e, quando me formei, continuei frequentando a Universidade como comunidade. Sem dúvida, esses anos que passei por aqui marcaram meu trabalho, pois foi onde comecei a fazer cinema, quando estava no curso de Jornalismo. Comecei a fazer filmes, montei a minha produtora, que é a Lumiô, depois de fazer aula de Oficina Básica de Audiovisual com a professora Érika Bauer. Formou-se um grupo grande de amigos naquela época, que fazia de tudo. Desse grupo, hoje muita gente ainda trabalha com cinema e cada um foi seguindo o seu caminho.

 

Gui Campos, ex-aluno da UnB, exibe curta-metragem premiado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro no domingo. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

Secom/UnBTV: Como você avalia o atual momento do audiovisual em Brasília, incluindo seus contemporâneos e os que vieram depois de você?

 

Gui Campos: Até ontem, eu era da geração que estava chegando. Agora, já faz 15 anos que trabalho com cinema. Para nós, que estamos há um tempinho na estrada, é demais ver o que uma geração nova está fazendo. Nós queremos ver gente nova, queremos que o cinema da cidade cresça. Quanto mais gente estiver fazendo filmes em Brasília, melhor será para o cinema daqui.

 

Secom/UnBTV: Qual foi a inspiração para realizar o curta Rosinha, que trata de um relacionamento que foge um pouco das convenções?

 

Gui Campos: O filme surgiu meio sem querer. Eu estava viajando para Maceió e um dia, não sei exatamente de onde, veio a ideia na cabeça. A partir disso, escrevi um conto; dele, fiz o roteiro e, por último, o filme. Nesse processo entre escrever o conto e chegar ao roteiro, eu comecei a me inspirar muito no meu avô. Ele morava em Itaúna, uma cidadezinha no interior de Minas. O filme fala da minha relação com a cidade, com a diferença de como ela trata o novo e o velho. Quando eu era pequeno, ficava encantado vendo aquele tanto de casinhas coloniais e, à medida que fui crescendo, toda vez que voltava à cidade haviam derrubado algumas casas e construído prédios. Para mim, é uma questão de como falar de tradição e desse choque de um novo brega querendo passar por cima de um velho, só porque ele é novo; é para questionar essas relações.

 

Secom/UnBTV: Uma coisa interessante de alguns dos seus curtas é essa relação com a cidade de Brasília. No caso de Rosinha, você escolheu Planaltina como cenário. Por que essa escolha?

 

Gui Campos: Não tem como não falar de Brasília, porque é onde eu vivi. Às vezes, quando escrevemos o roteiro, tem essa coisa de estar muito influenciado por onde estamos vivendo, o que estamos passando. Teve um tempo em que morei na Espanha e escrevi meu primeiro roteiro de longa-metragem para Madri, não era para a Brasília. Eu vejo que o cinema deve mostrar o ambiente, mas com cuidado para que não fique tão preso nele e não sirva para quem está em outro lugar. Porque o cinema deve se comunicar com o público que assiste aqui, na Índia, no Japão ou na Venezuela. Em Rosinha, a cidade referência não foi Brasília e, sim, Itaúna, que é a cidade também da minha mãe, para onde eu ia todas as férias.

 

Cena do primeiro filme de Gui Campos, Sequestramos Augusto César, também premiado em Gramado. Foto: Divulgação

Secom/UnBTV: Como foi a experiência de participar do festival de Gramado e qual resultado a premiação pode gerar para o curta?

 

Gui Campos: Para o filme é incrível, porque Gramado é o festival brasileiro que mais dá visibilidade, então, abre portas para outros festivais – não só para o filme mas também para mim: se depois eu quero filmar com algum ator é como se eu já tivesse uma estrelinha no currículo. O festival tem a parte de exibição e a de mercado, que envolve pessoas como distribuidores ou que são da televisão, que estão ali para conversar com os realizadores que têm projetos em busca de parceria. Nesse sentido, o festival foi muito legal para criar laços, conhecer pessoas, ter possibilidades de parcerias futuras e fazer amizades.

 

Secom/UnBTV: Rosinha também teve passagem pelo Festival de Huesca, na Espanha, que abre caminho para indicação para o Oscar. Como foi essa experiência?

 

Gui Campos: Esse filme está tendo um reconhecimento muito grande nos festivais. Huesca não é muito conhecido para quem não é do cinema, mas é um festival super importante. Existem alguns festivais que capacitam os filmes a concorrerem ao Oscar e Huesca é um deles. Se você ganha o festival, você tem a autorização para se inscrever. Dessa inscrição, os membros da academia vão escolher cinco para serem os indicados, entre 50 e cem filmes. Não desenvolvi nenhuma expectativa, mas o filme está entres os inscritos.