INCLUSÃO

Lançado em evento realizado na UnB, documento teve contribuições de pesquisadores da instituição

 

Foto: Beatriz Ferraz

 

A inclusão de pessoas com deficiência auditiva e visual na sociedade ainda é um desafio encarado pelo Brasil. Atividades simples do cotidiano, como assistir a programas de televisão e filmes, são ainda difíceis de serem realizadas pela falta de legendas adequadas para deficientes auditivos ou, no caso de pessoas cegas, de ferramentas como a audiodescrição – locução roteirizada para descrição de imagens. Para mudar um pouco essa realidade e garantir acesso com qualidade à cultura e ao entretenimento, Universidade de Brasília, Universidade Estadual do Ceará (Uece), Secretaria de Audiovisual (SAv) do Ministério da Cultura e ONG Mais Diferenças criaram uma alternativa.

 

Produzido em conjunto pelas instituições, o Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis dispõe de orientações técnicas para inserção de legendas para surdos e ensurdecidos, audiodescrição e janela de interpretação em Libras em produtos audiovisuais. O documento foi lançado, na última quinta-feira (6), durante o Seminário de Tradução Audiovisual e Acessibilidade, no auditório do Instituto de Letras. O evento contou com profissionais para realizar tradução em Libras e audiodescrição para o público.

Tradução em Libras de livro transformado em formato audiovisual Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

 

“A intenção é orientar produtores, diretores de cinema e emissoras de televisão para contratarem profissionais que ofereçam serviço de qualidade. Mesmo esses profissionais devem procurar seguir certos parâmetros que atendam as comunidades cega e surda”, informa Soraya Ferreira Alves, professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da UnB, colaboradora do guia e coordenadora do evento.

 

Também é objetivo da iniciativa contribuir para a efetividade da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor no início deste ano e que prevê, entre os direitos a serem garantidos para esse público, igualdade na oportunidade de acesso aos bens culturais. Com o marco legal, as salas de cinema do país terão a obrigatoriedade de se adequarem para ofertar recursos de acessibilidade em todas as sessões. “Aproveitamos para provocar todos para aderir à campanha pela acessibilidade no Brasil, exigindo que seja cumprida a lei brasileira de inclusão com qualidade”, declarou Sylvia Bahiense Naves, assessora técnica em Acessibilidade Audiovisual da SAv, durante a abertura do evento.

 

Para o professor do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas da UnB Saulo Machado, o guia trará um apoio para a evolução das técnicas de legendagem dos filmes e para que o cinema brasileiro se torne mais acessível. “Vai ser super importante na formatação das legendas para que surdos possam assistir a filmes com maior conforto”, afirmou. Ele exemplificou o pioneirismo do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em incluir a legendagem em filmes nacionais para pessoas com deficiência auditiva.

 

 

Superar as limitações físicas da surdez dentro da Universidade já foi um desafio para ele, o que não o impediu de ingressar no ambiente acadêmico, concluindo mestrado no Programa de Pós-Graduação em Linguística. E, de uns anos para cá, viu cada vez maior o acesso de estudantes e professores surdos à instituição. “A presença de professores surdos na Universidade contribui para que a acessibilidade ganhe um patamar maior”, alegou o docente.

 

Durante o seminário, Enrique Huelva, diretor do Instituto de Letras e indicado pela comunidade para ser o vice-reitor da UnB, demonstrou o desejo de ver a universidade e a sociedade cada vez mais inclusivas. "É importante identificarmos nosso papel na comunidade como atores essenciais para contribuir para a construção de uma competência comunicativa ampla e plena, de forma que nossas práticas na Universidade sejam mais inclusivas e não apenas construídas por poucos e para poucos", afirmou Huelva.

 

MODELO – O Guia é fruto de demandas sociais e pesquisas de recepção com pessoas cegas e surdas, com as quais puderam ser definidos parâmetros para inclusão de recursos de acessibilidade em filmes, programas de televisão e outros produtos dessa natureza. Uma das pesquisadoras pioneiras nessa área, a professora da Uece Vera Lúcia Santiago Araújo investiga há mais de dez anos o processo de legendagem para televisão e cinema para espectadores surdos e ensurdecidos, identificando os problemas técnicos relatados por esse público.

Professora da Universidade Estadual do Ceará contribuiu para construção do modelo de legendagem para pessoas com deficiência auditiva em filmes que integrou o guia Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

 

“De uma das pesquisas, surgiu a hipótese de que a legenda que seria a melhor é a rápida, com 180 palavras por minuto, desde que seja bem segmentada”, comentou a professora. Com a suposição confirmada, os resultados apontaram para a necessidade de readaptação da ferramenta. Daí veio a ideia de elaborar um modelo de legendagem que pudesse ser utilizado em todo o país e que fosse ideal à recepção de pessoas com deficiência auditiva.

 

Além da utilização de 180 palavras por minuto, foram levados em conta outros critérios para a formatação: a segmentação estabelecida por aspectos visuais, retóricos e linguísticos dos produtos audiovisuais, a utilização de apenas duas linhas para a legenda – cada uma com no máximo 37 caracteres – , o que também facilita o movimento do olhar do espectador para a imagem, a cor amarela para o texto e a indicação dos personagens falantes em cada cena por colchetes. “Quanto menos o espectador olhar para a legenda e mais para a imagem é melhor. A questão é o conforto para ele conseguir acompanhar o filme”, afirmou Araújo.

 

As experiências do Grupo de Pesquisa em Tradução Audiovisual da UnB com audiodescrição para deficientes visuais também contribuíram para a formulação dos aspectos técnicos incorporados ao guia e apresentados durante o seminário. O evento ainda trouxe discussão sobre o modelo de janela de interpretação de língua de sinais com especialistas da Universidade.