OPINIÃO

Nagib Mohammed Abdalla Nassar é botânico, geneticista e professor emérito da Universidade de Brasília. Graduado pela Universidade do Cairo, mestre em Genética pela Universidade de Assiute e PhD em Genética (comajor em botânica) pela Universidade de Alexandria. Sua pesquisa concentra-se no melhoramento da mandioca.  É Fellow do Linnean Society-London (FLS). Recebeu em 2014 o prestigiado prêmio Kuwait International.

Nagib Nassar

 

No final de 2014, artigos publicados pela revista Nature geraram muitas lamentações na comunidade científica brasileira. Segundo ranking da prestigiosa publicação, o Brasil é um dos países com menor eficiência no gasto com ciência. O país figurou em 50o entre 53 avaliados, atrás de nações como Irã, Paquistão e Ucrânia.

 

A lista é feita por meio da divisão do número de artigos publicados em 68 revistas científicas internacionais de alto prestígio pelo total de investimentos em pesquisa.

 

O Brasil publicou, em 2013, 670 artigos nessas revistas. O gasto com ciência e desenvolvimento, aqui, é da ordem de US$ 30 bilhões ao ano. O Chile, por sua vez, publicou 717 artigos, com gastos no setor de menos de US$ 2 bilhões. Esses dados indicam que há algo de muito errado na administração dos recursos destinados à ciência e ao desenvolvimento no país.

 

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento do setor, até hoje, não divulgou o número de publicações de impacto, resultantes de editais milionários do governo. Infelizmente, os editais sempre geram reclamações.

 

Muitos pesquisadores qualificados e aptos foram prejudicados por processos de análise inapropriados. Há ausência de controle de técnicos e de consultores nos editais. Por isso, não surpreende a falta de produção científica de impacto.

 

Entre 2012 e 2015, o CNPq lançou mais de R$ 100 milhões em editais — por exemplo, acordos de cooperação com Finlândia, Suíça e Suécia que não tiveram potencialidade de publicações de relevância. Até este momento, não sabemos o impacto socioeconômico ou a qualidade das publicações dos referidos editais.

 

Um caso bastante lembrado é o da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que aprovou, entre 2005 e 2008, investimentos de R$ 49,4 milhões nas pesquisas das empresas de biotecnologia Alellyx e CanaVialis. Logo após receberem parcelas do dinheiro, as empresas, parte do grupo Votorantim, foram vendidas para a norte-americana Monsanto. A negociação recebeu críticas até do ministro de Ciência e Tecnologia da época, Sérgio Rezende.

 

Outro exemplo de desperdício que prejudica o quadro científico nacional é o programa Ciência sem Fronteiras. Foi imposto sem qualquer consulta à comunidade científica, e as autoridades responsáveis pelo CNPq ou pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) nem tiveram a coragem de opinar.

 

O Ciência sem Fronteiras nada mais fez do que fortalecer programas de pesquisa e pós-graduação de institutos estrangeiros. Brasileiros foram para o exterior estudar problemas de outros países, não os da realidade brasileira. Quem o idealizou ignorou o importante papel da iniciação científica na formação do senso de cidadania.

 

Em seu curto mandato na presidência do CNPq (2010-2011), o físico Carlos Aragão teve uma visão ampla para remediar problemas de julgamentos superficiais de projetos milionários de editais. Tentou garantir a todos os pesquisadores o direito de concorrer, sem restrições artificiais. Infelizmente, logo que deixou o posto, tal plano foi enterrado.

 

Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo em 24/6/2016.

 

 

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