OPINIÃO

Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (1982), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1988), doutorado em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (2009). Professor adjunto da Universidade de Brasília. Experiência profissional na área de Arquitetura e Urbanismo.

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto¹

 

Uma Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) associa intencionalmente dois aspectos fundamentais do ordenamento urbano: (1) o uso do solo, que pode ser compreendido em termos das atividades a serem aceitas em cada fração da cidade (em cada lote, em cada edificação); e (2) a ocupação do solo, ou seja a quantidade de área construída que se vai ter em cada lote – o que inclui a área destinada à captação de águas e vegetação.


Como qualquer lei, deve ter uma clara teoria que a fundamente, bem como deve se articular de forma inteligente com todas as demais leis que possam fortalecer e orientar as ações públicas e de cidadania, para o alcance de seus mais elevados objetivos.


Uma LUOS pode criar um modelo excepcionalmente lúcido e preciso da qualidade de ambiente urbano que desejamos - especialmente para o grande consórcio de atividades econômicas e de vida social, familiar e comunitária. É uma Lei que tem nível de detalhe suficiente para estabelecer impacto direto e transformador em cada uma das zonas urbanas que constituem uma cidade como Brasília. Deveria ser uma lei urbana poderosa e humanizadora, defensora da qualidade de vida urbana.


Contudo, não é isso que foi proposto pelo finado governo Rollemberg (2014-2018) como a primeira LUOS do DF. A Lei aprovada nos dias finais do ano de 2018 é uma lei desequilibrada, que essencialmente promove a legitimação de operações imobiliárias nascidas de permanentes negociações entre investidores, construtores, incorporadores, etc., e as autoridades do governo do DF.


Apresenta falhas fatais em sua legitimação como uma Lei urbana essencial, sem Audiências Públicas a cada grande mudança em sua constituição, como ordena o processo legislativo: tem falhas constitutivas clamorosas, que devem ser denunciadas.


Em primeiro lugar, sua elaboração não partiu de qualquer diagnóstico dos problemas de uso e ocupação do solo. Não houve a identificação de disfunções ou desequilíbrios a corrigir, como se a cidade estivesse em perfeita ordem, sem congestionamentos, sem déficits de equipamentos públicos, sem crise hídrica.
Também não protege as situações bem qualificadas, modelos de uso e ocupação do solo urbano a serem seguidos e respeitados, como seu Plano Piloto.


É uma Lei categoricamente simplista, restrita à proposição de uma grande matriz de parâmetros urbanísticos, como se seu papel fosse o de regulação da expansão do mercado imobiliário, via sucessivos e convenientes decretos do Governador do DF. É uma lei desequilibrada, dedicada a legitimar a produção de mercadoria imobiliária, facilitando a consolidação dos interesses de seus privilegiados empresários.


Em segundo lugar, não se baseia em limites ecológicos de qualquer tipo: permite que os usos do solo e a criação de mercadoria imobiliária ocorram sem a menor responsabilidade (por parte dos empreendedores) pela resultante demanda de água potável, esgotos e saneamento, energia elétrica, transportes públicos, segurança pública, etc. Não há a menor premissa de sustentabilidade ambiental, ou de “gatilhos ambientais” que disparem contra a ocupação desequilibrada do solo, em quaisquer escalas urbanas.


Pior: a LUOS de 2018 erradicou todas as formas de veto ou rejeição ou recurso ou impedimento proposto pela população a empreendimentos que sejam indesejados ou disruptores de sua qualidade de vida. À cidadania cabe o indigno papel de passiva consumidora num mercado imobiliário que ganhou uma lei poderosa, que lhe permite remodelar a cidade segundo seus interesses – protegidos pelo próprio governo que deveria defender os interesses da população.

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 ¹Professor adjunto da Universidade de Brasília. 

 

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