OPINIÃO

Debora Diniz é professora Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero. Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Antropologia, todos pela UnB, com pós-doutorado pela UnB e pela Universidade de Leeds (Inglaterra),  É membro da Câmara Técnica de Ética e Pesquisa em Transplantes do Ministério da Saúde e membro do Advisory Committee do Global Doctors for Choice /Brasil. Vice-chair do board da International Womens Health Coalition. Atua nos temas bioética, feminismo, direitos humanos e saúde. Foi pesquisadora visitante na Universidade  de Leeds, Reino Unido (Estudos de Gêneros); Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Instituto de Medicina Social); Instituto Oswaldo Cruz (Comunicação, Informação e Saúde); Universidade de Michigan, EUA (Faculdade de Direito); Universidade de Toronto, Canadá (Faculdade de Direito e Centro de Bioética); Universidade de Sophia, Tóquio (Instituto Iberoamericano); Cermes, França (Centro de Pesquisa, Medicina e, Ciência, Saúde, Saúde Mental, Sociedade); Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos (Departamento de Sociologia); e Universidade de Leiden, Holanda (Departmento de Antropologia). Entre vídeos produzidos e publicações, é também autora de seis livros e tem oito organizados.

Debora Diniz

 

Fui estudante e, hoje, sou professora da Universidade de Brasília. Me descrevo como um experimento de Darcy Ribeiro para o conhecimento sem fronteiras – cheguei por um curso, passeei por outros, me formei em Antropologia, hoje sou professora do Direito, e penso a saúde pública. A universidade é isso: não há perguntas pré-determinadas, não há respostas já conhecidas, e jamais haverá medo para mover a dúvida e o conhecimento. Assim, meu pedido aos que festejam a vitória das eleições com mensagens de ameaça ou terror: esqueçam as universidades. Deixem a Universidade de Brasília em paz.

 

Ali não é lugar para combate, só para aprendizado e acolhimento. Se insistirem na ofensiva violenta, encontrarão professores, funcionários e estudantes dispostos a ensinar o que ainda precisam aprender: paz, tolerância e democracia. Não ameacem gravar aulas e denunciar a quem quer que seja que se apresente como o fiscal do conhecimento proibido ou permitido. Será gasto inútil do dinheiro público, pois falaremos mais e melhor. E com mais sagacidade, coisa que o ressentimento impede alguns de conhecer. Começaremos a falar de bolo de cenoura e, sem que percebam, falaremos da liberdade e da resistência. Por isso, não nos transformem em heróis. Deixem-nos ser só professores.

 

Podem levar as cadeiras, os quadros, os recursos de financiamento à pesquisa. Ensinaremos mais, seremos ainda mais professores, como um dia sonhou Paulo Freire. Quer maior estrago para as futuras gerações que nos dedicarmos a falar ainda mais, escrever como quem respira, sair das universidades e ir às comunidades? Não há profissão de maior provocação neste momento do país que a de professor. Reconheçam que já éramos pensantes antes de chegarem ao poder, só seremos ainda mais. Se acreditam mesmo na democracia que os permitiu chegar à presidência da república, respeitem as regras do jogo. Na universidade não entram tanques ou gente armada – só se for para aprender, e pediria que sempre guardassem a arma quando se apresentem como estudantes em uma sala de aula.

 

Além de professora, sou também orientadora de estudantes. Essa é uma das responsabilidades mais delicadas de minha carreira – além de ensinar, oriento os caminhos do pensamento para um jovem escritor. Já orientei policiais, bombeiros, delegados, agentes de segurança prisional, e com todos eles encontrei o mesmo espírito de proteção aos direitos humanos que partilho. Foram estudantes que me ensinaram sobre a grandeza de ser um profissional da segurança pública e pensar a dignidade da vida humana. De nenhum deles jamais ouvi destrato ao meu pensamento, como certamente eles não ouviram de mim às suas crenças sobre o certo. O que não estranhamos entre nós é sobre onde o justo deve estar na vida política. 

 

Por isso, não acreditem em quem esbraveja que as universidades são os inimigos depois de vencidas as eleições. A lógica binária de uma corrida política não se aplica a quem pensa, duvida, estranha e pede argumentos antes de ouvir teses prontas. Em uma sala de aula pensamos sobre tudo, mas para qualquer coisa a ser dita pedimos uma forma específica de pensar, que é o argumento. E para argumentar há regras da comunidade acadêmica: a mais importante delas é o respeito ao que se descreve como conhecimento; a segunda é o dever de conhecer antes de se pronunciar. Não é, portanto, fácil marchar pelas universidades como se disparam mensagens de fofoca por WhatsApp – ali não estão crentes à espera de burburinho. Somos pensadores treinados a duvidar e a argumentar.

 

Na falta de argumento, não adianta nos ameaçar com bravatas de perseguição ou matança. Há meses, escuto bravateiros covardes que me perseguem como se isso fosse me silenciar. Aqui estou e estive por todas as partes nos últimos meses: se a mim, um experimento de Darcy Ribeiro, alguém sem músculos ou armas, só com livros e voz, os bravateiros não foram capazes de silenciar, jamais serão os mais de 20 mil alunos da Universidade de Brasília. Por isso, meu pedido: parem de desordenar antes de governar. Festejem que ganharam as eleições, mas reconheçam que a universidade sempre será livre e não se toma de assalto o pensamento.

 

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¹ Professora da Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero. Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Antropologia, todos pela UnB, com pós-doutorado pela UnB e pela Universidade de Leeds (Inglaterra). É membro da Câmara Técnica de Ética e Pesquisa em Transplantes do Ministério da Saúde e membro do Advisory Committee do Global Doctors for Choice /Brasil. Vice-chair do board da International Womens Health Coalition.

 

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