OPINIÃO

Reinhardt Adolfo Fuck é graduado em Geologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Geologia pela Universidade de São Paulo. Professor (aposentado) e Professor Emérito da Universidade de Brasília, onde atualmente é pesquisador colaborador.

Reinhardt Adolfo Fuck

 

Hoje faz uma semana que Márcio Pimentel nos deixou. O sentimento de perda não amainou; ao contrário, ampliou-se, aprofundou-se. Perdemos todos, parentes, amigos, colegas, colaboradores, alunos, admiradores. Perdeu o Instituto de Geociências, a UnB, o Distrito Federal, o Centro-Oeste, o Brasil. Perderam as Ciências da Terra. Perdeu a Ciência. Resta, porém, render-lhe tributo e homenagens por tudo que realizou ao longo de sua passagem demasiado curta entre nós, por sua amizade e coleguismo, por sua dedicação à Ciência, por sua capacidade e competência, por sua determinação e coragem, por seus esforços em construir infraestrutura de ponta e ambiente de trabalho sadio e produtivo, por sua ajuda sempre pronta, por seu sorriso sempre presente. Com profunda tristeza, tento aqui traçar breve perfil do saudoso Prof. Pimentel que nos deixou órfãos cedo demais...

 

No final dos anos 1980 ensino e pesquisa em Geologia haviam se consolidado na UnB. Os geólogos formados eram muito bem aceitos no mercado de trabalho. O curso de mestrado era bem avaliado e o de doutorado, iniciado em 1985, estava em processo de afirmação. Em paralelo e, em boa medida como propulsor do evidente crescimento do conjunto, avançava a pesquisa, com produção científica relevante, divulgada nacional e internacionalmente, calcada sobretudo na ampliação do conhecimento geológico do Centro Oeste – mas não só. Era chegada a hora de buscar novo patamar na formação de recursos humanos de qualidade e no avanço das Ciências da Terra na UnB, no Centro-Oeste e no Brasil. Para tanto, era imprescindível e inadiável a implantação de infraestrutura laboratorial de ponta, que permitisse aprofundar o conhecimento de minerais, rochas e estruturas e seu significado na evolução geológica regional e na edificação da crosta continental. O primeiro passo – gigante – foi dado com a aquisição e instalação de microssonda eletrônica na UnB, em 1990, com recursos do PADCT.

 

Em 1988 o IG foi contemplado com uma vaga de docente. O Instituto decidiu destinar a vaga para a área de Geoquímica, com ênfase em geoquímica isotópica, incluindo geocronologia. A ideia era contar com especialista que pudesse implantar a área na UnB e montar projeto capaz de angariar recursos para aquisição de equipamentos e instalação de laboratório de geocronologia. Objetivava-se especificamente alavancar o conhecimento geológico do Brasil central mediante a implantação de métodos modernos e robustos para determinar idades precisas e assinatura isotópica das rochas que constituem seu substrato. Apesar de ainda estar engajado em seu doutorado na University of Oxford na época, Márcio Pimentel participou do processo de seleção e conquistou a vaga, tendo sido contratado em 1989.

 

Márcio se formara em Geologia (1982) e concluíra seu mestrado (1985) na UnB. Durante o mestrado, a minhas instâncias como orientador e sob a supervisão dos eminentes mestres Umberto Cordani e Koji Kawashita, passou uma temporada – espécie precursora de mestrado ‘sanduíche’ - no Laboratório de Geocronologia da USP, visando obter determinações isotópicas e de idade de rochas de sua área de estudo, em Arenópolis-Piranhas, Goiás. Os dados de sua pesquisa resultaram em evidências de grande interesse: O que era tido genericamente como rochas antigas, possivelmente formadas no Arqueano (éon geológico com idade acima de 2,5 bilhões de anos), revelou-se muito mais jovem, com idades entre 500 e 700 milhões de anos e razões isotópicas indicativas de material então transferido do manto para a crosta. Antes de ir para Oxford, como bolsista de Desenvolvimento Científico Regional, Márcio desenvolveu trabalhos adicionais, ampliando a coleta de amostras na região estudada e estendendo-a para outras áreas em Goiás, com o objetivo de analisá-las por métodos de datação mais robustos em Oxford e no laboratório do Prof. Tom Krogh, no Royal Ontario Museum, Toronto, Canadá, onde estagiou ainda durante o doutorado. De sua tese, concluída em 1991, sob a orientação de Stephen Moorbath e Paul Taylor, resultaram nove publicações em periódicos nacionais e internacionais de ampla circulação, inclusive a que divulgou na renomada revista Geology a comprovação da presença de rochas formadas em arco vulcânico intraoceânico neoproterozoico (c. 890 milhões de anos), atestando a formação de crosta continental juvenil associada à obliteração de extenso oceano que então separava o que hoje é a Amazônia do restante do Brasil. Esta descoberta ensejou mudança radical na compreensão da evolução geológica não só da região Centro-Oeste, mas de fato do Brasil e do Continente Sul-Americano.

 

Com o retorno do Prof. Márcio Pimentel à UnB, em 1991, foram ampliados os trabalhos de investigação no Brasil central e encetada a montagem de projeto visando a implantação de laboratório de geocronologia. Depois de algumas idas e vindas, de demandas e negociações, o projeto foi aprovado e os recursos liberados pelo PADCT permitiram a aquisição de espectrômetro de massa e demais equipamentos necessários, bem como a adequação de espaço físico para sua instalação, construção de sala limpa, etc., inclusive às expensas de minha sala no subsolo do ICC, parte que passou a ser do novo laboratório. Graças à iniciativa, aos esforços, à dedicação, à capacidade e ao conhecimento do Prof. Pimentel, o laboratório estava em pleno funcionamento em 1995, produzindo resultados excelentes, que alavancaram o conhecimento da geologia, não só do Centro-Oeste, mas também de outras regiões do Brasil, da América do Sul e, em anos subsequentes, também de outros continentes, apoiada em crescente colaboração com diversos docentes e com estudantes da UnB e de várias outras instituições, tendo interagido com mais de 400 colaboradores no país e no exterior. Com recursos da Petrobras, construiu novas instalações para o laboratório (2006), que coordenou até o final de 2009.

 

A partir daí as atividades ininterruptas de pesquisador, professor, orientador e incentivador incansável floresceram em mais de duzentas publicações e mais de 400 apresentações em reuniões científicas, nacionais e internacionais, na formação de dezenas de estudantes de graduação, 17 mestres, 14 doutores, supervisão de 3 pós-doutores e de mais de uma vintena de bolsistas de iniciação científica. Coordenou  mais de uma dezena de projetos de pesquisa e vários de desenvolvimento, além de participar de vários outros. O reconhecimento de sua contribuição maiúscula não tardou a se materializar. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A do CNPq, foi contemplado com as medalhas Martelo de Prata (1992) e José Bonifácio (2008) da Sociedade Brasileira de Geologia e com o Prêmio Internacional Leonid Spendiarov da Academia Russa de Ciências (2004), mesmo ano em que foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Membro da Ordem Nacional do Mérito Científico na classe de Comendador (2008), foi eleito fellow da Third World Academy of Sciences (2010). A par disso, achou tempo para coordenar a pós-graduação do IG (2004-2005) e exercer o cargo de Decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB (2005-2008), além de coordenar o Laboratório de Geologia Isotópica da UFRGS (2011-2013), para onde se transferira em 2009. Foi Assessor do Diretor de Geologia e Recursos Minerais da Companhia de Recursos Minerais (2000-2001); membro (2003-2008) e Coordenador Adjunto (2007-2010) da Comissão de Área de Geociências da CAPES, que passou a coordenar a partir de abril passado; membro (2004-2005) e Coordenador (2008-2010) do Comitê Assessor de Geologia e Geografia Física do CNPq; membro do Conselho Superior da FAPDF (2004-2005); membro do Grupo Assessor da Diretoria de Programas da CAPES.

 

Enfim, perdemos excepcional pesquisador e, mais que isso, perdemos um grande amigo e parceiro. Saudades...

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