OPINIÃO

Sadi Dal Rosso é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Rio dos Sinos, mestre e doutor em Sociologia pela University of Texas System.

Sadi Dal Rosso

 

Explosões reveladoras dos fatos de como são financiados os processos eleitorais no Brasil suscitam problemas quanto à legitimidade dos políticos eleitos. Os eleitos podem ser classificados em três grupos: aqueles que usaram apenas recursos próprios para realizar as campanhas eleitorais; aqueles que, além dos recursos próprios, empregaram apoios legais de empresas e de indivíduos; e aqueles que fizeram as campanhas com apoios de caixas dois. Apenas os integrantes do primeiro e segundo grupos podem reivindicar legitimidade formal, uma vez que se mantiveram dentro das regras estabelecidas pelo jogo. Os eleitos do grupo dois, entretanto, perdem também em legitimidade real, porquanto subordinam a autonomia de seus mandatos a interesses de empresas e outros agentes financiadoras.

 

O problema maior da legitimidade encontra-se no grupo três: aqueles que se elegeram com apoio de caixa dois. Detém algum grau de legitimidade formal e real para os cargos para os quais foram "eleitos" como presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados federais, estaduais e distritais, vereadores, quando empregaram meios ilícitos? Quantos desses "atores políticos" estão nessa condição ilícita? Constituem certamente a maioria. Neste caso, que princípio fornece legitimidade aos eleitos desta forma?

 

Recentemente um deputado federal pelo Rio Grande do Sul proporcionou um fato hilário de como anda a caça por legitimidade. Compareceu ante televisões e pediu perdão aos eleitores por ter aceito um "apoio" de cem mil reais de fontes ilegais na última semana da campanha, quando não tinha mais recursos.

 

O perdão dos eleitores, se ocorreu, não resolve o problema, que é muito maior e mais profundo e indica como se reproduzem as elites dirigentes. Por meio desse "apoio" ilegal, o deputado venceu a eleição. Venceu os concorrentes, lançando mão de um meio que não estava à disposição dos demais. Não havia paridade na disputa eleitoral. De que fonte procede, pois, sua legitimidade como parlamentar? Foi eleito, superou os demais, porque usou de meios ilegais. Em que base se assenta a legitimidade de sua representação?

 

Subordina sua autonomia como parlamentar às exigências das empresas que o financiam.

 

O partido a que pertence o parlamentar só elegeu uma bancada expressiva, porque aceitou financiamento de caixa dois. Numa disputa paritária, não teria alcançado tal meta. A questão da legitimidade tem a ver também com os partidos e suas bancadas. Partidos que conseguiram eleger bancadas majoritárias com apoio de "meios ilícitos", em que medida podem reivindicar legitimidade para as posições ocupadas nas agências de decisão política do pais? A representação partidária vigente no pais está viciada. Se existissem condições de paridade, seria outra a composição de partidos.

 

Cabe dizer ainda que a sociedade tem conhecimento das maneiras pelas quais se reproduzem as camadas que estão no poder em apenas um por cento do iceberg. O resto está submerso e invisível. Quando bancos, grandes empresas industriais, de comércio, de comunicação, de transporte, entre outros, vierem a público declinar suas doações de caixa dois, o que acontecerá com a república?

____________________________________________________

ATENÇÃO
O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. Os textos podem ser reproduzidos em qualquer tipo de mídia desde que sejam citados os créditos do autor. Edições ou alterações só podem ser feitas com autorização do autor.

 

Palavras-chave