OPINIÃO

Graduação em Ciências Contábeis e em Ciências Econômicas, mestrado em Administração pela UnB e especialização em Administração Econômica e Financeira pela Universidade de Paris I e em Política e Administração Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB). Consultor legislativo e coordenador do Núcleo de Orçamento, Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados. Possui cinco livros publicados, entre eles Contabilidade Tributária (Atlas) e O sistema Tributário na Nova Constituição (Editora UnB).

Roberto Bocaccio Piscitelli

 

Pelo que se tem lido e ouvido nos últimos dias, alguns encontros bem seletivos, como uma dessas tertúlias de botequim - reunindo três ou quatro (ex-)políticos -, vêm sendo realizados para definir a condução de um possível processo sucessório e para escolher a relação de uma meia dúzia de nomes ungidos à condição de candidatos à presidência da República.

 

A propósito, lembrei-me do período ditatorial, em que um pequeno grupo de militares dos Altos Comandos se reunia periodicamente para escolher o general que deveria aceitar a missão de exercer o cargo civil mais elevado da Nação. E refleti sobre uma inspirada frase da professora Eliane Brum, quando disse que, entre nós, "o passado não passa e o futuro já passou".

 

Aliás, ao acompanhar o noticiário, constatamos com facilidade que os nossos representantes continuam de costas para a população, promovem arranjos e produzem interpretações para justificar a realização de qualquer tipo de eleição indireta e determinar os rumos que ela deve tomar, como se fossem os donos exclusivos destas terras e nossos senhores absolutos (e não o são?!).

 

A bem da verdade, para a elite que controla as decisões e concentra a riqueza secularmente, a ocorrência de uma troca ou a escolha de um nome nem é assim tão essencial: essencial mesmo é assegurar a continuidade de um projeto que passa muito longe do Projeto para o Brasil, que deveria passar pela incorporação do povo ao conhecimento e à informação honesta, que passa pela conscientização, participação e mobilização dos sem cidadania nos destinos do país.

 

A casta que ocupa o poder tem como único objetivo aprovar as tais reformas, que interessam a uns 5% ou 10% da população, que consistem precisamente na perda maciça de direitos, jogando os mais vulneráveis em um verdadeiro "salve-se quem puder", em uma das mais despudoradas manifestações do capitalismo selvagem em que mergulhamos. Para tanto, não importam os meios, os métodos: como diria nosso saudoso Tim Maia, vale tudo mesmo em matéria de desinformação e de manipulação.

 

Não há inocentes entre os donos do poder; não é privilégio de nenhum Poder da República, nem é exclusivo das estruturas de Estado, até porque o sistema de poder no Brasil é coeso, praticamente impermeável e impenetrável. São muito poucos os que tentam romper essas barreiras e, em geral, quando o fazem, são rápida e implacavelmente abatidos.

 

Nesse sentido, é oportuno alertar para o fato de que o discurso sobre o combate à corrupção serve como um poderoso instrumento de alienação das pessoas, inundando os noticiários, a exemplo de uma novela ou de uma série que não tem prazo para terminar. Em nome dessa cruzada (literalmente falando, pois envolve boa dose de fanatismo), libera-se o arbítrio, podem destruir-se reputações, institucionaliza-se o dedodurismo, elegem-se os bandidos, transformam-se vilões em heróis, e convertem-se em mocinhos os agentes que aplacam a revolta das massas, que fornecem o alimento aos leões famintos das arenas.

 

Canaliza-se o sentimento dominante e cego, que converte em incompreensão e ódio todas as nossas diferenças, radicalizando as posições e exacerbando o individualismo e a falta de respeito e de pudor, num país já tão marcado pelo preconceito e pela violência, traços indeléveis de nossa História, que nada tem a ver - e nunca teve -, apesar da doutrinação de nossos mestres, com a cordialidade e a solidariedade.

 

Mas, se não se deve ter ilusões, não se pode cair na desesperança. É preciso ter humildade para admitir que - como diria minha mãe - somos "vinho da mesma pipa", que nossos representantes têm a nossa cara, que somos vítimas e autores das mesmas corrupções de todos os dias, variando um pouco as suas dimensões e os seus efeitos; que gostamos de "tapar o sol com a peneira", apontando sempre para os outros. Enfim, se quisermos efetivamente mudar alguma coisa - se for mesmo esse o nosso objetivo -, teremos que reagir à inércia e ao comodismo, abandonando a indiferença e a fleuma tão profundamente gravadas no DNA do caráter brasileiro.

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 05/06/2017.

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