OPINIÃO

Marcos de Souza Mendes foi professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília por trinta anos. Graduado em Rádio, TV e Cinema e mestre em comunicação pela UnB, com pós-graduação iniciada na Universidade de Paris I –  Panthéon Sorbonne / Paris X – Nanterre e doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É documentarista cinematográfico e atua nas áreas de realização, roteiro e pesquisa sobre preservação e memória.

 

Marcos de Souza Mendes

 

No atual momento em que as novas gerações não respeitam nossa própria língua, ignoram a história social recente; desconhecem a obra de grandes artistas brasileiros – compositores, musicistas, cineastas, atores, fotógrafos, pintores - realizadas há, apenas, dez, vinte anos; onde o esquecimento cultural e a amnésia histórica passam a ser comuns e banais, é grande a preocupação pela sobrevivência da identidade brasileira. Sem a mínima noção de nossas raízes, flutuaremos soltos no limbo provocado pela neo colonização e, desprovidos de memória, não teremos personalidade necessária nem auto - estima para a construção de nossa sociedade. Deixaremos de ser protagonistas de uma cidadania cultural para nos transformarmos em consumidores fúteis, repetidores de valores externos tão nocivos a nossa liberdade e evolução.

 

O conhecimento da tradição cinematográfica brasileira surge como bálsamo e alento no descobrimento de nós mesmos, pela valorização do talento de tantos artistas que interpretaram o país em suas criações e que expressaram as várias realidades de nossas diversidades regionais. Uma tradição que remonta ao final do século XIX, a 1897, quando o italiano Vittório di Maio realizou A Chegada do Trem a Petrópolis, simples registro histórico, hoje, infelizmente perdido, como quase todos os registros da vida urbana realizados no início do século XX.

 

Com a modernização da cidade do Rio de Janeiro a partir de 1907, as salas de exibição se propagaram e a realização cinematográfica nacional passa a ser auto - suficiente no que concerne a produção / distribuição / exibição -  a chamada Bela Época do Cinema Brasileiro, de 1907 a 1912 - com enorme empatia junto ao público popular, tanto a referente aos primeiros filmes  concebidos , as “vistas naturais”, paisagens de cidades e  ruas; quanto aos registros de efemérides, corridas de automóvel, jogos de futebol, além dos filmes cantantes e de reconstituição histórica. Nesta fase pioneira surgem os primeiros técnicos e diretores, profissionais autodidatas, muitos de origem portuguesa e italiana, muitos brasileiros, que terão a vida cotidiana urbana, a literatura e costumes brasileiros como ponto de partida de seus filmes. Afonso Segreto, Antônio Leal, Alberto e Paulino Botelho, Vittorio Capellaro, Gilberto Rossi, José Medina, Luís de Barros, Tomás de Túlio, Paolo Benedetti foram alguns desses idealistas e apaixonados cinegrafistas, produtores e cineastas, tão bem referenciados em dois livros clássicos: A Bela Época do Cinema Brasileiro, de Vicente de Paula Araújo, e Pioneiros do Cinema Brasileiro e No Tempo da Manivela, de Jurandyr Noronha, este o maior pesquisador da história de nosso cinema.

 

Nas décadas de 10 e de 20 do século passado, no período do Cinema Silencioso, surgiram várias iniciativas de documentação da vida brasileira sertaneja e amazônica como os filmes da Comissão Rondon realizados pelo Major Luís Tomás Reis, onde se destaca o filme de caráter etnográfico Rituais e Festas Bororo, de 1916; o longa –metragem No País das Amazonas, de 1922, do português Silvino Santos; e os  vários ciclos da produção independente, os chamados Ciclos Regionais, que mantiveram vivo nosso Cinema em  São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Destes ciclos, os mais importantes foram os de Recife e de Cataguases, com os filmes Aitaré da Praia, de Gentil Roiz, de 1925, com a atriz Almery Esteves e o ator e roteirista Ary Severo, melodrama praieiro, rico em aspectos da cultura regional, onde se evidenciou o valor do homem brasileiro, heróico em sua jangada e em sua honestidade, e Brasa Dormida e Sangue Mineiro, de 1928 e 1929, respectivamente, do poético e romântico Humberto Mauro, que viria a se tornar o primeiro patrono do Cinema Nacional, criador de uma obra impregnada de brasilidade, seja no bucolismo da paisagem de bosques e cachoeiras, onde reina a nossa luz morna, transparente de diversas nuances , seja na música de Heitor Villa-Lobos ou do folclore mineiro, e nos tipos humanos brejeiros, autênticos e simples.

 

Na da década de 30 floresceu o primeiro estúdio avançado – a Cinédia – criado pelo profissionalismo e pelo amor do carioca Adhemar Gonzaga, interessado pelo valor de nossa música popular na criação dos primeiros filmes sonoros, os Filmes Musicais Carnavalescos, inspirados nas marchas de Carnaval de tanto sucesso popular pela autoria de compositores como Lamartino Babo, Noel Rosa, João de Barro, Alberto Ribeiro, e pelas vozes de Mário Reis, Carmem e Aurora Miranda, Francisco Alves, Almirante e o Bando da Lua. Outro estúdio importante nascido nesta década foi o da Brasil Vita Filme, de Carmen Santos. Carmen, atriz portuguesa debutante no cinema em 1919, que participou de Cataguases ao atuar em Sangue Mineiro, tornar-se-ia uma das personalidades mais cativantes da história de nossa cultura. Produtora e atriz de talento, dedicou sua vida à realização de um Cinema ligado à música, à arte e à história do Brasil, ao qual destinou seu obstinado projeto Inconfidência Mineira, filme de reconstituição de época e esmerada produção, realizado de 1939 a 1943.

 

No início do Cinema Sonoro, também despontariam dois grandes filmes, duas obras – primas, nascidas dentro do espírito poético e de vanguarda do Cinema Silencioso no que concerne a Direção, a Montagem, a Direção de Fotografia, e a interpretação da alma humana e da melancólica passagem do tempo, concebida na autoria do roteiro: Limite, de Mário Peixoto, de 1931, com fotografia de um dos maiores técnicos e artistas da história, Edgar Brasil, e Ganga Bruta, de 1934, produzido pela Cinédia, e dirigido por Humberto Mauro. Nas décadas seguintes, ao avançar esta brevíssima introdução histórica resumida como um rápido travelling, o Cinema Brasileiro encontrará novos grandes ciclos de produção: o da Atlântida Cinematográfica, no Rio de Janeiro, de grande alcance popular com suas Chanchadas e o talento dos geniais comediantes Oscarito e Grande Otelo, dos grandes cantores e Rainhas do Rádio como Francisco Carlos, Jorge Goulart, Emilinha Borba, Adelaide Chiozzo, Dalva de Oliveira, Marlene e Linda Batista, dos grandes diretores como Watson Macedo e Carlos Manga; o da Companhia Cinematográfica Vera Cruz em São Paulo, criada pelo italiano Franco Zampari, sendo seu corpo técnico constituído por grandes profissionais europeus nas áreas de Som, Fotografia e Montagem, e, no início de sua implantação em 1945 / 1950, a coordenação geral de Alberto Cavalcanti. A Vera Cruz produziu 18 longas-metragens de vários gêneros em sua curta vida (1949-1954) – filmes históricos, dramas regionais, melodramas, comédias, filmes policiais, com destaque para O Cangaceiro, de Lima Barreto, prêmio de melhor filme de aventura no Festival de Cannes, com Milton Ribeiro, Alberto Rushel e Marisa Prado, e Sinhá Moça, ambientado no período abolicionista, dirigido por Tom Payne, e elenco constituído por Ruth de Souza, Eliane Lage e Anselmo Duarte. Caudaloso como um rio sem represas, o Cinema Brasileiro terá sua modernidade fundada com o cinema social de Nelson Pereira dos Santos, em Rio, 40 Graus e Rio Zona Norte, até a eclosão vertiginosa do Cinema Novo com novas obras-primas: Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, artista revolucionário e utópico, profeta alado, como definiu Paulo Emilio Salles Gomes, o fundador do Curso de Cinema da Universidade de Brasília.

     

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