UnB: 58 ANOS DE HISTÓRIAS

Idealizado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, Ciem foi fechado em 1970. Quem estudou lá garante que ainda hoje o projeto seria inovador

Membros do conselho de representantes dos estudantes expulsos no ano de 1967 em entrevista a Nayde Abreu, do Correio Braziliense. Foto: Arquivo pessoal

 

Em seus 58 anos, a Universidade de Brasília tem como marcas de sua história a vanguarda e o protagonismo. Como parte das comemorações neste 21 de abril, a Secretaria de Comunicação abre uma página (pouco conhecida, mas repleta de orgulho) do livro de memórias da UnB: o Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem).

 

O Ciem foi uma escola de aplicação, de ensino público e integral. O projeto pedagógico foi idealizado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, fundadores da UnB. Mesmo tendo funcionado por menos de uma década (1964-1970), ainda hoje o Centro é lembrado por sua proposta inovadora de educação.

 

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A primeira turma foi formada em 1964, quando foi oferecido apenas o 3º ano do Ensino Médio. A partir de 1965, foram disponibilizadas vagas para os três anos. A aula inaugural foi ministrada pelo então reitor da UnB, Zeferino Vaz, no auditório Dois Candangos, e abordou o tema A inércia como característica do homem civilizado.

 

Conforme boletim informativo da UnB à época, a unidade funcionava como centro de demonstração e experimentação da Faculdade de Educação, dando, inclusive, oportunidade de estágio e cursos de treinamento a professores de quaisquer pontos do território nacional.

Time de vôlei do Ciem, do qual fez parte o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello. Foto: Arquivo pessoal

 

O primeiro diretor do Ciem foi o educador José Aloísio Aragão, que atuou na direção de outras duas escolas de aplicação, em Londrina, PR, e em Rio Claro, SP.

 

O ingresso era bastante disputado, com exame de seleção. Grande parte dos alunos era formada por filhos de parlamentares, profissionais liberais e funcionários do governo.

 

ENSINO DIFERENCIADO – Com o objetivo de formar cidadãos com capacidade crítica e pensamento criativo, os alunos tinham acesso a conteúdos variados e atividades extracurriculares.

 

“Os laboratórios eram muito bons e os professores, extremamente preparados. Muitos deles faziam pós-graduação na UnB”, relata a escritora, ex-aluna e professora aposentada da UnB Rosângela Vieira Rocha. No currículo, também eram ofertadas disciplinas de latim, inglês voltado para a literatura, antropologia filosófica, artes e desenho industrial. Para além da formação básica, os alunos participavam das práticas educacionais vocativas, conhecidas como clubes. As áreas eram as mais diversas, indo desde música e teatro a arquitetura de carroçaria e investigações aeroespaciais.

 

Liberdade com responsabilidade era um dos lemas do Ciem, que estimulava a participação dos estudantes até mesmo em reuniões e definições estratégicas. “Semanalmente ou quinzenalmente, discutíamos a filosofia da escola, sempre embasados em conceitos e aspectos filosóficos e éticos”, relembra Rosângela.

 

As aulas tinham duas horas de duração e não eram expositivas, sendo a maior parte do tempo destinada a atividades, individuais ou em grupo. “Havia um respeito muito grande entre alunos e professores. Eles nos ensinavam a pensar, de modo lógico e crítico”, afirma a docente.

 

Rosângela diz que a formação no colégio influenciou seu interesse pela literatura. “Vim do interior de Minas Gerais e, mesmo sendo muito difícil, consegui passar porque tirei 10 na redação. Foi lá que descobri e desenvolvi meu talento como escritora."

 

LUTA E DITADURA – Embora o Ciem tenha sido planejado antes do período militar, sua história está diretamente relacionada ao regime ditatorial no Brasil. “A proposta pedagógica não era coerente com o momento político e sobreviveu apenas na fase mais branda da ditadura”, relata Hélio Doyle, jornalista, professor aposentado da UnB e ex-aluno do Ciem.

A estudante Hileana Menezes foi expulsa pelo diretor substituto da época, padre Marconi Montezuma. Foto: Arquivo pessoal

 

Assim como dezenas de outros estudantes, Doyle foi expulso em 1967. “Houve um movimento muito grande em função da expulsão arbitrária da aluna Hileana Menezes. As aulas foram suspensas e chegou a ser instaurada uma comissão de inquérito. Já era um sintoma do que viria.”

 

Em maio de 1968, a série de protestos contra a repressão política protagonizada por universitários e secundaristas na França também se repetiu no país e no Distrito Federal.

 

O Diretório Central dos Estudantes Secundaristas de Brasília era acusado de estar vinculado a organizações clandestinas de esquerda. Os 50 anos da rebelião estudantil foram relembrados em encontro realizado na UnB em 2018.

 

O prédio onde funcionava o Ciem abriga atualmente o ambulatório do Hospital Universitário (HUB). O espaço foi estruturado seguindo os conceitos e a metodologia didática.

 

“Todas as salas davam para um jardim. Como os alunos tinham liberdade e maior autonomia, era comum nos reunirmos ali para fazer trabalhos em equipe”, lembra Doyle. Um dos símbolos para os estudantes era a caixa-d’água, que ainda hoje pode ser vista no topo da edificação. Muitos se encontravam no reservatório para conversar e fugir da perseguição de infiltrados.

Ex-alunos reunidos no teto do colégio em meados da década de 1960. Foto: Arquivo pessoal 

 

FECHAMENTO – Embora não se tenha muitos registros sobre o processo de encerramento do Centro Integrado de Ensino Médio, um documento de 1968 assinado pela diretora substituta, Teresinha Rosa Cruz, aponta que o Ministério do Planejamento considerava o Ciem como a escola mais cara do país, tendo em vista a proporção entre alunos e professores.

 

“Tem tirado um pouco o entusiasmo do corpo docente as informações de que essa Reitoria está disposta a fazer uma reforma integral com o objetivo de redução das despesas”, menciona Teresinha em trecho da carta à reitoria da UnB.

 

O reitor na época era o professor Caio Benjamim Dias, escolhido por militares. Em março de 1969, o Ciem passou a ser subordinado pedagógica e administrativamente à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

 

Uma das organizadoras do livro Anísio Teixeira e seu legado à educação do Distrito Federal: história e memória, a pesquisadora Eva Waisros Pereira confirma que o Ciem foi fechado por motivos de ordem política. "Foi nos anos iniciais da ditadura militar, resultando, num primeiro momento, no afastamento de professores e estudantes, para posterior encerramento", detalha.

 

Também docente da UnB, João Carlos Hohl Abrahão foi estudante da última turma, em 1970, e não conseguiu concluir o ensino médio na instituição. “O colégio reuniu muitos opositores e críticos da ditadura. Muitos documentos da época foram destruídos.”

 

Os relatos saudosistas dos ex-alunos convergem para a opinião de que a experiência foi um marco em suas vidas. “O contexto era outro, com o movimento hippie e Woodstock. Era um momento de grande mudança e esperança, todo mundo era muito idealista”, considera Rosângela Vieira. Visão compartilhada por Hélio Doyle: “Mesmo se o Ciem voltasse a existir hoje, 50 anos depois, ainda assim seria considerada uma iniciativa revolucionária”.

 

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