ENTREVISTA

Ex-aluno da UnB, Paulo Speller é o primeiro brasileiro a comandar a Organização dos Estados Ibero-americanos

Foto: Divulgação

 

Em janeiro, o ex-aluno da UnB Paulo Speller assumiu o cargo de secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, Ciência e Cultura (OEI), no lugar do espanhol Álvaro Marchesi. Eleito durante a 12ª Assembleia Geral, ele é o primeiro brasileiro a chefiar a organização.

 

"O Brasil vem assumindo papel cada vez mais central no cenário ibero-americano", diz Speller, no posto até 2018. "O maior desafio é a melhoria da educação básica", afirma. "A ênfase será na formação de professores, na carreira e nas condições de trabalho desse profissional."

 

Paulo Speller, nuevo Secretario General de la OEI

 

Psicólogo, professor, ex-secretário de Educação Superior do Ministério da Educação no Brasil e ex-reitor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Speller concedeu entrevista à UnB Agência nesta última semana.

 

Ele fala sobre os próximos quatro anos à frente do organismo de cooperação que reúne 19 países latino-americanos, um africano (Guiné-Equatorial), Portugal, Espanha e Andorra. Outros cinco países lusófonos da África e um da Ásia são membros observadores.

 

"Trata-se de um momento-chave. A presença africana e asiática muda a realidade da OEI que, de uma organização ibero-americana desde a sua fundação, vem se tornando planetária", aponta.

 

Paulo Speller: "La OEI se ha vuelto una organización planetaria"

 

Confira a entrevista:

 

O que a OEI representa no mundo hoje?

 

Speller – A OEI é, hoje, uma grande organização, por seus projetos, sua presença nos países ibero-americanos, sua estabilidade financeira e pelos convênios e recursos disponíveis para a cooperação. Também por sua crescente presença nas áreas da cultura, ciência e inovação. Educação se relaciona com tudo isso e assim deve ser.

 

Na América Latina, apesar de grandes realizações nesta área nas últimas décadas, precisam ser construídas políticas educacionais que respondam a necessidades sociais reais, assegurando avanços nos próximos anos.

 

Em todos os países da OEI, são promovidos programas de desenvolvimento social e de inclusão educacional de grupos mais vulneráveis. Entre eles, projetos de alfabetização de jovens e adultos, atenção integral na primeira infância, formação técnico-profissional, melhoria da qualidade da educação e educação em valores.

 

O de maior dimensão é o projeto Metas 2021: a educação que queremos para a geração dos bicentenários, que teve início em 2010.

 

Para ser ter uma ideia da dimensão deste projeto, cabe ressaltar que, apesar da crise enfrentada neste momento em várias regiões ibero-americanas, nenhum governo deixou de investir em educação, uma verdadeira prioridade. O apoio e o compromisso dos governos é o resultado mais tangível. Dentro da realidade de cada país, é possível observar avanços significativos, o que nos traz uma sensação de otimismo quanto à realização dos objetivos traçados para 2021.

 

O que o senhor espera para os próximos quatro anos à frente da organização?

 

Speller – Um dos oito objetivos fixados pela ONU para o desenvolvimento é a universalização do ensino primário. Todos os países se comprometeram a atingi-lo até 2015, quando uma nova agenda, pós-2015, será preparada, também priorizando a educação. Como destaca Rebeca Grynspan, secretária-geral da Segib, os países ibero-americanos possuem três prioridades: educação, educação e educação.

 

Nesse contexto, onze metas gerais para uma educação de qualidade foram estabelecidas com a aprovação da sociedade civil e dos ministros da Educação ibero-americanos, as chamadas Metas 2021. Assumo o compromisso de continuar com as atividades desenvolvidas em torno delas, em cada país da América Latina, Caribe, Portugal, Espanha e região. Outros programas e projetos que ajudem a atingir esses objetivos e a superar desafios são bem-vindos.

 

Entre os objetivos específicos está a atualização das Metas 2021 por meio da abertura de um novo debate sobre desenvolvimento. A discussão pode renovar o compromisso da sociedade e dos governos e deixar claras quais são as prioridades de cada país.

 

Outro objetivo é desenvolver com mais vigor o projeto de alfabetização de jovens e adultos e o de mobilidade de estudantes, professores e pesquisadores (programa Paulo Freire). Trabalharemos também para fortalecer o Instituto para a Educação em Direitos Humanos, criado em 2013, pois acredito que a inclusão social depende de modelos e propostas nesta área.

 

Por fim, reforçar a cooperação com a União Europeia e os países africanos e asiáticos de língua portuguesa está entre as minhas prioridades.

 

Esta é a primeira vez que um brasileiro é eleito para liderar o organismo. Que diferença isso faz para o Brasil em termos de políticas e programas na área de educação, ciência e tecnologia?

Speller – Isso dá ao Brasil a oportunidade de assumir responsabilidades diante da comunidade internacional e, em especial, dos países ibero-americanos. É importante destacar que países africanos de língua oficial portuguesa (Palop) e o Timor Leste foram recentemente incorporados a OEI como observadores ativos. Outro ponto a ser ressaltado é o programa Educação como ponte estratégica Brasil-África, que sinaliza vários caminhos para a relação não só Brasil-África, mas agora entre a OEI, os Palop e o Timor Leste.

 

Como todos os países, o Brasil tem um longo caminho a percorrer. É preciso lembrar, contudo, que foi o país que mais avançou em indicadores desde o início do milênio, conseguindo importantes avanços, como o Plano Nacional de Educação (PNE). O projeto prevê um aumento de 5 a 10% do PIB destinado ao ensino, bem como estabelece diretrizes para o setor até 2020. Um dos pontos mais importantes é a equiparação do salário dos professores, que acabam de receber 14% de aumento, a de outros profissionais de mesmo nível.

 

Outra medida que merece destaque é a política de cotas que destina 50% das vagas nas universidades federais aos grupos tradicionalmente mais desfavorecidos, como é o caso de jovens pobres, negros ou indígenas. Isso dá oportunidade de acesso à educação, reduzindo ou eliminando barreiras sociais. Essa medida é complementar a de algumas universidades que, com o apoio do MEC, implantaram políticas de assistência estudantil, assegurando que grupos desfavorecidos ingressem, permaneçam e concluam seus estudos.

 

A escolha de um brasileiro foi uma surpresa?

 

Speller – O Brasil sempre esteve presente na OEI e, há mais de 10 anos, vem realizando programas importantes no campo da educação, da ciência e da cultura. Assim, já era tempo de o país trazer contribuições com a presença de um brasileiro na Secretaria-Geral. Outros brasileiros vêm ocupando postos de igual ou maior importância dentro desse contexto de inserção do Brasil no mundo, como é o caso de José Graziano na FAO e de Roberto Azevêdo na OMC.

 

Como a sua experiência pode contribuir para atingir as metas estabelecidas?

 

Speller – Tenho uma trajetória profissional que tem muito a ver com a educação superior. Em realidade, a educação superior está relacionada com a educação em geral. Acredito que tudo o que se planeja para os diferentes níveis depende das pessoas. O ensino consiste em pensar nas pessoas, formá-las e envolvê-las em todo o processo. E esse é o verdadeiro trabalho das universidades: as pessoas.

 

Minha experiência, seja durante os oito anos como reitor na Universidade Federal de Mato Grosso ou na implantação de uma nova universidade de integração entre Brasil e países africanos, me aproximou de alguns desafios que, tenho certeza, me prepararam para estar à frente desta organização.

 

Integrar regiões separadas pelo Atlântico, na África e no Brasil, com todas as dificuldades inerentes, como carências de infraestrutura nos países africanos, foi um deles. Nos últimos anos, como secretário de Educação Superior no MEC, outros desafios se apresentaram, especialmente durante o processo de elaboração do PNE. Por tudo isso, pretendo articular ações, programas e projetos que envolvam ainda mais a formação e a preparação de quadros, por meio da educação superior.

 

Como o Brasil vê a presença de países africanos e asiáticos no organismo? Quais fazem parte da OEI ou pleiteiam a incorporação?

 

Speller – É preciso lembrar que a Guiné Equatorial é membro da OEI. Recentemente, foram incluídos como observadores cinco países lusófonos da África e um da Ásia, ou seja, onde o português é falado como língua oficial. O português é idioma oficial também na Guiné Equatorial.

 

Em meu discurso de incorporação, deixo clara a minha intenção de fortalecer dois eixos de cooperação: União Europeia e países africanos e asiáticos de língua portuguesa. Neles colocarei todos os meus esforços. O desafio é enorme. Esses últimos países são independentes há mais de trinta anos e têm necessidades maiores que as da América Latina. O esforço, por isso, deve ser também maior. Em março deste ano, deve acontecer um encontro dos ministérios da Educação desses países com o objetivo de se elaborar um grande projeto de incorporação.

 

Estamos em um momento-chave, no qual a presença africana e asiática muda a realidade da OEI. Desde a sua fundação, ela é uma instituição ibero-americana e, agora, está se tornando uma organização planetária.

 

Como ex-aluno da UnB, o que mais lhe marcou e como isso influi em sua visão sobre educação, ciência e tecnologia?

 

Speller – A Universidade de Brasília foi pensada, desde o seu início, na década de 1960, como uma universidade estratégica para o relacionamento do Brasil com o seu entorno maior na América Latina, Caribe e suas origens ibéricas, algo que me marcou muito quando cheguei à universidade em 1966. Representa, portanto, retomar este sonho primeiro da UnB e hoje realizá-lo por meio da OEI.

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