NEUROCIÊNCIA

Cientista norte-americano apresenta informações de 24 anos de pesquisas

Foto: Isa Lima/UnB Agência

 

Com um público que superlotou o Anfiteatro 12 da UnB, nesta quinta-feira (15), o neurocientista Carl Hart desvendou mitos sobre questões ligadas ao consumo de drogas e falou sobre como e por que a universidade deve mudar a maneira de tratar o assunto.

 

Professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Carl Hart apresentou resultados de pesquisas que vem realizando há mais de 24 anos sobre o tema. Para começar, contou um pouco sobre sua vida: nasceu num bairro pobre, foi traficante – vendeu e usou drogas –, entrou para a força aérea e acabou se tornando professor universitário. Hart revelou que todo esse seu histórico o ajudou a chegar onde está nas pesquisas que realiza, uma vez que, citando James Baldwin, “o paradoxo da educação é exatamente este: à medida que alguém começa a se tornar consciente, passa também a examinar a sociedade em que está sendo educado”. Por isso, em certa época da vida decidiu estudar como o crack estava destruindo a sociedade em que ele cresceu.

 

Mas para Carl Hart, o consumo de drogas é um problema muitas vezes utilizado para acobertar outras questões que permeiam as sociedades, principalmente aquelas comunidades negras e pobres. Para ele, essas comunidades sofrem problemas muito mais complexos ligados a questões sociais – como habitação, emprego, alimentação – e raciais, e é um erro imputar ao consumo de drogas a razão para o desenvolvimento desses problemas. Segundo o neurocientista, esses outros problemas em geral são colocados em segundo plano, porque exigem mais investimento e resoluções mais complexas, e as políticas comumente adotadas para o combate ao consumo de substâncias psicoativas não são efetivas. Para explicar o argumento, o neurocientista apontou alguns mitos ligados à questão do consumo de drogas, principalmente do crack.

 

CRACK – Em primeiro lugar, afirmou que as características que diferenciam o crack da cocaína são apenas algumas ligações nas moléculas das substâncias, sua forma de administração – o crack é fumado e a cocaína é inalada. "As pessoas acreditam que são drogas diferentes, mas não são", afirmou. Segundo ele, essa é uma questão que influencia na discriminação e na distorção das informações, uma vez que a maioria dos usuários nos Estados Unidos é pobre, e a cocaína geralmente é utilizada por pessoas de classes mais altas.

 

Um segundo mito apontado por Carl Hart em relação ao consumo de crack é a afirmação de que com apenas uma tragada da substância os indivíduos já se tornam viciados. Além disso, disse que a isso se costuma associar a ideia de que apenas pobres consomem a droga, o que pode ser desmentido com uma breve pesquisa de personalidades usuárias de crack e cocaína. “Você não pode julgar mal uma pessoa só por que ela é usuária de certa substância”, afirmou.

 

Outra falácia na visão de Hart é a de que usuários de crack sempre estão em busca da próxima “dose”. Para explicar como esse argumento não se aplica, o pesquisador relatou experimentos feitos com ratos, em que se administram doses de crack nos animais e se oferecem ou não alternativas de atividade. Como resultado, verificou-se que quando são oferecidas drogas aos roedores, sem que eles tenham outra opção de atividade, eles a consomem, mas se lhes são fornecidos afazeres alternativos eles escolhem fazer outra coisa que não utilizar a droga. Isso mostra, segundo ele, que o consumo dessas substâncias também está relacionado à falta de oportunidades que muitas vezes os indivíduos possuem dentro das sociedades.

Foto: Isa Lima/UnB Agência

 

METANFETAMINA – O argumento de que o uso de metanfetamina causa danos ao cérebro também foi refutado pelo cientista, que afirmou que não há comprovações suficientes que permitam essa afirmação. Para que se entenda melhor essa questão, Hart sugeriu a leitura do artigo “Is Cognitive Functioning Impaired in Methamphetamine Users? A Critical Review”, de sua autoria.

 

No caso da metanfetamina, o pesquisador reafirmou que também existe o problema da falta de alternativas para os usuários. Para comprovar esse argumento, mostrou resultados de uma pesquisa com usuários da substância. Quando perguntados se prefeririam receber cinco dólares ou uma dose da droga, a maioria dos entrevistados respondeu que optaria pela droga, mas quando se aumenta o valor oferecido para 20 dólares, os usuários preferem receber o dinheiro. Nesse sentido, Hart argumentou que faltam investimentos e alternativas atrativas para que as pessoas viciadas em drogas possam escolher fazer outras coisas em substituição ao consumo das substâncias.

 

OUTRA PERSPECTIVA – Esses e outros argumentos foram responsáveis por mudar a cabeça de Carl Hart e incentivá-lo a pesquisar o tema sob essa perspectiva diferenciada. Segundo o professor, a maioria das pessoas que usa crack ou cocaína não é viciada e há uma noção errônea de que a sociedade algum dia estará livre das drogas, assim como não haverá uma sociedade sem carros (cujos acidentes geram um alto índice de mortalidade). Segundo ele, as pessoas consomem drogas, e seria impossível tentar mudar isso na sociedade e trabalhar para exterminar por completo o consumo dessas substâncias. “O investimento na luta contra as drogas aumentou 3.000% entre 1970 e 2011 e isso não adiantou muita coisa, porque as pessoas continuam usando”, afirmou.

 

Essas informações o fizeram concluir que a questão do consumo de drogas é tratada de forma totalmente equivocada nos Estados Unidos e em outros países, como o Brasil. Segundo ele, “é um absurdo dizer que o crack é responsável por todos os problemas da pobreza, outras coisas causam isso. Querem evitar lidar com os reais problemas da pobreza”.

 

Por isso, a sugestão do pesquisador é que se implementem medidas de descriminalização de todas as drogas. Isso não significaria necessariamente uma legalização, mas sim uma mudança de pensamento, em que o usuário não seja tratado como um criminoso. Para ele, é necessário encontrar soluções que incluam negros e pobres, alternativas legais para a descriminalização e desenvolver uma educação realista. Carl Hart defendeu que a universidade tem um grande papel nessa luta e que para que se tenha uma educação realista sobre o tema deve-se ensinar o básico sobre drogas: as doses e efeitos, as experiências dos usuários, o contexto em que estão inseridos e os meios de administração das substâncias. “Não podemos incentivar a paranoia. Precisamos ser conscientes sobre o uso de drogas. As pessoas não usam drogas porque são loucas. É algo lógico para elas usar a droga”, disse.

Foto: Isa Lima/UnB Agência

 

REPERCUSSÃO – Para a coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, Andrea Gallassi, a palestra de Carl Hart contribui para o entendimento de outras questões sociais que estão acobertadas pelas drogas. “É muito legal para nós da Universidade de Brasília, ver como esse tema vem mobilizando e como que a nossa comunidade acadêmica vem observando e questionando o modelo que muitas vezes nos é colocado: de que a droga é o grande problema. Na verdade, a gente está emergindo outras questões, especialmente as questões sociais e raciais, como parte também desse problema”, afirmou.

 

Sobre a abrangência do tema tratado por Carl Hart, Gallassi explicou que o problema das drogas traz impactos significativos para diversos setores da sociedade e o debate com Carl Hart, que reuniu professores de diversas áreas, estudantes dos diversos cursos e comunidade em geral mostra que a resposta para cuidar desse problema não é simples e exige investimentos nos diversos campos.

 

Para Gallassi, “a questão drogas acaba sendo um detalhe dentro de um grande problema que a gente tem no nosso país, mas que felizmente a gente vem abrindo o debate para isso, e um fruto disso é ter um auditório lotado como este e com uma possibilidade aberta de discutir o tema dentro da universidade”.

 

O evento, 5ª sessão da Comissão UnB.Futuro em 2014, contou com a parceria do Instituto de Ciências Biológicas (IB), do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas (CRR), vinculado à Faculdade UnB Ceilândia, e o apoio do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e da UnBTV.

 

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