MÉRITO

Tese vira livro e rende prêmio internacional de literatura a ex-aluno da UnB

Foto: Luís Gustavo Prado/Secom UnB

 

Doutor em Letras pela Universidade de Brasília, Cristian Santos (38) acaba de receber um dos mais importantes prêmios de literatura do mundo, o Casa de Las Américas, pelo livro Devotos e Devassos. A obra é a versão literária da tese defendida na pós em Literatura da UnB sob orientação da professora Cíntia Schwantes.


“Estou agradecido. O prêmio é fruto de uma aposta da UnB em uma temática inovadora, envolvendo encontros e desencontros entre literatura e religião”, diz Cristian.

 

Segundo ele, o trabalho analisa o anticlericalismo em três obras de ficção do século 19 – O Mulato e O Homem, do escritor Aluísio Azevedo, e Morbus: Romance Patológico, de Faria Neves Sobrinho – e mostra como padres e beatas são (des)construídos na literatura brasileira da época.

 

“Senhoras munidas de rosários, envoltas em xales e véus negros, me atraíram desde criança”, lembra Cristian. “A beata Perpétua, de Tieta do Agreste, foi a personagem que me estimulou a analisar a relação entre religião e corporeidade na literatura”, conta. “Por outro lado, tem a figura do padre glutão ou eternamente tentado a quebrar o celibato”, completa.

 

Cristian explica que essa caricaturização reflete o cenário de tensão política no país naquele período. O autor afirma que o republicanismo, baseado em novas teorias médicas e filosóficas, acusa a Igreja Católica – monarquista, escravagista e detentora do monopólio da educação – de ser uma entidade retrógrada, "fábrica de sujeitos doentes e psiquicamente desajustados".

 

“A disputa pela gestão dos corpos é intensificada”, afirma ele. “Se a Igreja louvava a continência sexual, a sociologia comtiana e a medicina a encaravam como condição anômala, capaz de converter mocinhas em loucas histéricas.”

 

Para ele, os escritores põem em xeque a autoridade da Igreja ao desvendar os desvios físicos, psíquicos e morais entre os religiosos. Cristian ressalta que o anticlericalismo oitocentista, “alimentado pela medicina e pela filosofia”, não se confunde com o ateísmo ou anticristianismo. “A disputa é política, não religiosa. O que se combate é a intromissão excessiva da Igreja na esfera pública, numa tentativa de preservar o protagonismo nos discursos.”

 

O autor aponta a atualidade do tema. "É curioso observar que muitas pautas envolvendo direitos humanos não são sequer debatidas no parlamento brasileiro em virtude de uma agressiva resistência da parte de grupos religiosos. A laicidade do Estado não está ameaçada. Estou convencido de que ela nunca existiu, efetivamente”, conclui.

 

PRÊMIO – A cerimônia de premiação será em Havana (Cuba), no início do ano que vem. Além do lançamento da versão em espanhol do livro, o autor receberá US$ 3 mil. “Pretendo usar o dinheiro para criar uma biblioteca voltada para o tema da diversidade sexual e religiosa.”

 

Atualmente, Cristian cursa o pós-doutorado na Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro. “Continuo trabalhando com a questão anticlerical, analisando charges publicadas na imprensa durante o Império.”

Saiba mais:

>> Casa de las Américas