RESTRIÇÃO

Mesmo com recuo parcial do governo federal, cortes ameaçam a continuidade de estudos estratégicos em diversas áreas do conhecimento

 

Bolsista PNPD, Kicia Copland conduz pesquisa sobre composto extraído de plantas do Cerrado com atividade contra o Alzheimer. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Na primeira segunda-feira deste mês (2), o governo federal anunciou o cancelamento de 5.613 bolsas de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A decisão foi justificada pelas restrições orçamentárias. Foi a terceira vez em 2019 que a Capes determinou a subtração de benefícios pagos a mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos de todo o país.

Somadas, as medidas resultaram em menos 321 bolsas na Universidade em 2019 – número que representa uma redução de 20% em relação ao quantitativo disponível em janeiro. Os cortes atingem bolsas de Demanda Social (DS), do Programa de Excelência Acadêmica (Proex) e do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), que financia estágios pós-doutorais com o intuito de promover a qualificação científica em alto nível.

Mesmo com o recuo da Capes e do Ministério da Educação na última semana – prevendo a reversão dos cortes em bolsas de programas com notas 5, 6 e 7, o prejuízo ainda será grande, segundo o Decanato de Pós-Graduação (DPG). Isso porque apenas 59 das 321 bolsas inicialmente subtraídas voltariam para a Universidade. Na última sexta-feira (13), o tema gerou debate no Conselho Universitário (Consuni), que se posicionou por meio de nota.

A decana de Pós-Graduação, Adalene Moreira, lamentou a situação. “A ciência brasileira vive um luto. Não há país desenvolvido que não tenha investido maciçamente em ciência e educação”, disse. No caso das bolsas do PNPD, o problema é ainda mais grave, afirma ela, porque afetam pesquisas estratégicas para a Universidade. “Essa bolsa é concedida ao pesquisador já com uma sólida formação, para que continue seu trabalho na instituição, ou para atrair pessoas de fora que possam contribuir significativamente para o avanço da ciência”, explica.

Conheça três pesquisas de relevância desenvolvidas na UnB por bolsistas PNPD e que podem ser atingidas caso os cortes continuem avançando:

 

AGRONOMIA

 

Fortalecer o sistema de defesa fitossanitária do Distrito Federal é uma das prioridades da pesquisa coordenada pela pós-doutoranda Renata de Mendonça. Desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Agronomia, o projeto foca a definição da situação atual de um conjunto de pragas – entre ácaros e insetos – de importância econômica e que, mesmo sob controle, têm potencial destrutivo às lavouras da região.

Trabalho da pós-doutoranda Renata de Mendonça já resultou em publicação em banco de dados internacional. Foto: Arquivo pessoal

 

Outra perspectiva da pesquisa é desenvolver protocolos de diagnose dessas espécies em plantações e avaliar o impacto econômico da incidência. Com as informações levantadas, será possível traçar medidas para manejo dessas pragas e capacitar acadêmicos e profissionais para multiplicar essas ações. O projeto tem parceria com a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri) do Distrito Federal, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e a Embrapa.

 

Renata destaca que a pesquisa já apresenta alguns resultados de relevância internacional. Entre eles, a participação no projeto de sequenciamento do genoma de uma espécie de ácaro, o Brevipalpus yothersi, vetor de viroses presentes em pomares. “O genoma do ácaro da leprose representa o primeiro trabalho no mundo com informações completas de um ácaro do tipo, depositado no maior banco de informações genômicas, o National Center for Biotechnology Information”, frisa. 

 

CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

Pesquisa conduzida no Laboratório de Produtos Naturais (LaProNat) da Faculdade de Ciências da Saúde (FS) estuda compostos de espécies vegetais endêmicas do Cerrado que tenham atividade farmacológica na doença Alzheimer. O projeto é financiado pela Capes, Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

Atualmente, os medicamentos produzidos em nível industrial para minimizar os efeitos do Alzheimer têm como princípio ativo a galantamina, um composto químico de difícil síntese em laboratório. A substância é isolada de plantas da família Amaryllidaceae, que podem ser encontradas no Cerrado. Essas espécies do bioma possuem outros compostos com propriedade farmacológica, além de flores vistosas, de alto valor ornamental.

 

A pesquisa do LaProNat busca conhecer essas plantas nativas para a extração do composto e identificação de substâncias bioativas similares como alternativa mais barata para a produção de fármacos com ação na patologia. Além disso, a pesquisa visa a reprodução in vitro dessas espécies do Cerrado para a preservação, uma vez que algumas são endêmicas e se encontram em risco de extinção.

 

Kicia Copland é bolsista PNPD vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas e integra a pesquisa. Ela ressalta a importância do estudo para a descoberta de compostos bioativos que proporcionem melhor e maior qualidade de vida aos idosos. “A população idosa no mundo está aumentando e, atrelado a isso, o número de demências segue essa tendência. Portanto, ter mais opções para tratamento dessas doenças é de suma importância", destaca.

 

CIÊNCIAS FLORESTAIS

 

O Brasil produz cerca de 13 bilhões de litros de cerveja por ano. A fabricação da bebida gera toneladas de resíduos, como o bagaço do malte da cevada, comumente empregado na alimentação de bovinos. Uma pesquisa de pós-doutorado em Ciências Florestais tem buscado outros potenciais de aplicabilidade desse insumo. A aposta do estudo, desenvolvido no Laboratório de Tecnologia da Madeira da Faculdade de Tecnologia (FT), é a verificação da viabilidade do uso da cevada como alternativa na produção de painéis MDP – forma de prensagem em três camadas. 

Mirian de Almeida lidera projeto que busca viabilizar o reaproveitamento da cevada na indústria moveleira. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Testes realizados demonstraram que os resíduos do cereal concentram dois componentes essenciais na fabricação de móveis e de outros materiais que levam madeira. “A quantidade de celulose e lignina nesse material é bem parecida com a que encontramos em outros resíduos, como a palha de arroz e da cana, também utilizados para essa finalidade”, destaca a pós-doutoranda Mirian de Almeida, responsável pelo projeto.

 

A pesquisadora ressalta que as demandas do mercado pela produção de painéis reconstituídos têm crescido cada vez mais, e com isso, a exploração de matérias-primas, como o pinus e o eucalipto, para a fabricação. O resultado é o aumento da degradação de florestas plantadas. Por isso, além de avaliar a qualidade e o potencial econômico do emprego da cevada, o estudo vislumbra uma opção sustentável para a indústria moveleira, com a redução dos impactos ambientais na extração da madeira.

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