AÇÕES AFIRMATIVAS

Comunidade acadêmica avalia o sistema, instituído em 2003, e discute os rumos para o futuro

Foto: Emília Silberstein/UnB Agência

 

Passada uma década da decisão do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE/UnB) de implantar o sistema de cotas, intelectuais se voltam para a discussão sobre os novos rumos da política de ações afirmativas da Universidade de Brasília (UnB). Comissão, instituída neste mês, levará resultado de pesquisas internas, gerenciadas pelo Decanato de Ensino e Graduação (DEG), para nova definição do CEPE sobre o modelo a ser adotado pela universidade. Especialistas afirmam que seguir o modelo federal será um retrocesso.

 

Foram mais de dez horas de atividades de debate e reflexão crítica em torno do tema sistema de cotas. O evento Dez anos de cotas na UnB: memória e reflexão aconteceu na última quinta-feira (6), no prédio da  Reitoria. Cerca de cem pessoas participaram das atividades e lotaram o auditório da Reitoria e o Salão de Atos. O evento foi organizado pelo Instituto de Ciências e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI) em parceria com a UnB.

Professor José Jorge de Carvalho durante atividade realizada no Salão de Atos da Reitoria. Foto: Emília Silberstein/UnB Agência

 

O professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia, afirmou que o modelo da Universidade de Brasília é mais avançado. “O modelo da UnB é irrestrito e não faz exclusão. A Lei de Cotas limita os negros de classe média e os que estudam em escolas particulares”. Carvalho defende a adoção da Lei de Cotas, do governo federal, em conjunto com o modelo da UnB.

 

Para o professor Kabengele Munanga, da Universidade de São Paulo (USP), "podemos considerar [a Lei de Cotas] como um retrocesso diante da experiência da UnB e de outras universidades, que antes da lei implementaram cotas ditas raciais”, disse.  Munanga afirmou que se a UnB conseguir preservar seu projeto original, “poderia novamente reverter o sentido do curso, num debate em âmbito nacional com as universidades que ainda persistem nesse modelo, com conjugação dos ativistas de movimentos raciais e indígenas e de outros movimentos sociais”. 

 

A Universidade de Brasília definiu que adotaria as cotas raciais e dez vagas para indígenas em seus vestibulares no dia 6 de junho de 2003. O sistema foi implantado no segundo vestibular de 2004. A UnB foi a primeira universidade federal a adotar o sistema de cotas e pioneira ao aprovar a reserva de vagas exclusivamente para negros. "A UnB propôs as cotas para negros como uma resposta ao racismo”, contou o professor José Jorge Carvalho. Ele e a professora Rita Segato fizeram a proposta do sistema de cotas e elaboraram o Plano de Metas de Integração Social Étnica e Racial da UnB. O professor relatou o cenário em que foi construído o projeto de cotas na instituição. Carvalho citou o Caso Ari e o caso do coletivo Enegrecer, quando cinco estudantes foram acusados de roubo por serem negros.

Foto: Emília Silberstein/UnB Agência

 

DESAFIOS - "A decisão da UnB arrastou dezenas de outras universidades públicas, estaduais e federais, que por si não teriam entrado no sistema”, afirmou Kabengele Munanga, sobre a representação da UnB entre outras instituições. A decisão da universidade trouxe à tona várias discussões a respeito do racismo e da constitucionalidade das cotas raciais. A professora da Faculdade de Comunicação Dione Moura, que participou da Comissão de Implementação do sistema na universidade, contou que existiram dez mitos sobre o sistema da UnB. De acordo com a professora, os mitos trouxeram desgastes à implantação e continuidade do projeto, mas “eles não se cumpriram”, afirma Dione.

 

Entre os mitos pontuados, Dione destacou que o preconceito de que a universidade seja para poucos é uma das barreiras mais fortes a serem enfrentadas, pois cria uma tensão e a ideia de ser necessário diminuir o acesso à formação superior para não perder a qualidade e o valor do ensino. “Ele não se cumpriu como fato, mas sobrevive, pois está no fundamento da construção da universidade brasileira”, afirma.

Dione Moura, professora da Faculdade de Comunicação. Foto: Mariana Costa/UnB Agência

 

Ainda de acordo com a professora, outro mito que deve ser enfrentado, baseia-se na ideia de que raça e desigualdade existem, no entanto, a solução não seria cotas para negros, mas para os pobres. “Esse mito não quer admitir a conta social que se criou com a condição de desigualdade que se acumula historicamente em relação ao negro”, explica Dione.

 

RESPALDO LEGAL - Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o sistema de cotas da UnB é constitucional. Essa definição restringiu o valor de discursos contrários à adoção de políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros e índios nas instituições públicas do Brasil.

 

Em agosto de 2012, o governo federal publicou a Lei de Cotas, que regulamenta percentuais de vagas nas universidades federais para estudantes que cursaram escolas públicas, que tenham famílias com baixa renda, que sejam negros ou indígenas.