MAIS HUMANA

Aula inaugural do segundo semestre letivo de 2018, #InspiraUnB começa às 10h do dia 15 de agosto, no Centro Comunitário Athos Bulcão. Todos estão convidados

 

Guarde esta data: a aula inaugural do semestre espera por você! Arte: Secom/UnB

 

Na próxima quarta-feira (15), a Universidade de Brasília realiza sua aula inaugural para o 2º/2018, a #InspiraUnB. Primeira indígena do povo Xakriabá a ingressar em um programa de pós-graduação, Célia Xakriabá será a palestrante do evento que busca reunir a comunidade acadêmica, em especial os calouros, no Centro Comunitário Athos Bulcão.

 

A #InspiraUnB faz parte da iniciativa Boas-Vindas, pela qual a instituição se propõe a acolher os estudantes com diversas ações na primeira semana de aula e por meio do site www.boasvindas.unb.br. Neste ano, a campanha UnB Mais Humana ressalta valores, como respeito, solidariedade, compromisso, equidade, humanidade e cidadania.

 

Ativista pelos direitos dos povos indígenas, Célia Xakriabá tem um histórico de vida ligado a esses ideais. Ela vem inaugurando uma série de novas realizações para seu povo, localizado no estado de Minas Gerais. Foi estudante da primeira turma de formação de professores indígenas da UFMG e também a primeira indígena a trabalhar em uma Secretaria de Estado de Educação (de 2015 a 2017), onde se engajou na luta em defesa de línguas indígenas ameaçadas.

 

No início do mês de agosto, Célia defendeu a dissertação desenvolvida no Mestrado em Sustentabilidade junto ao Povos e Terras Tradicionais (Mespt) da UnB. Intitulada O barro, o genipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada, o trabalho tem o objetivo de refletir sobre os saberes e os fazeres presentes no território, analisando as experiências de educação indígena mesmo antes da presença da escola na vida dos povos indígenas.

 

"A pesquisa elucida bem esse trânsito de ciclos de saberes das diferentes agências e agentes onde o conhecimento é produzido", descreve. "Enquanto pesquisadora indígena, o principal desafio é ser ética sem perder a étnica, porque essa étnica está relacionada com o guardar e o resguardar os valores dos segredos do sagrado", aponta.

 

Na avaliação da ativista, muitas vezes o pesquisador é instigado a esmiuçar e a adentrar o conhecimento indígena, mas precisa reconhecer limites entre estudo e vivência. "Nesse encortinado dos saberes, nem tudo é para ser dito, nem tudo é para ser lido, mas apenas para ser vivido enquanto povo." Na entrevista a seguir, ela detalha seu pensamento sobre os saberes tradicionais e acadêmicos e fala sobre temas que pretende abordar no encontro do próximo dia 15.

 

Como é ser uma mulher à frente de tantos processos novos para o seu povo?

 

É um desafio permanente, que eu me coloco enquanto pesquisadora indígena. A conclusão do mestrado para mim é muito representativa. Para a maioria das pessoas, a dissertação pode ser mais uma conquista, no entanto, para nós também é uma conquista plural e coletiva, porque é a primeira vez que um Xakriabá consegue acessar esse outro lugar. Ao mesmo tempo, é relativo pensar que eu ganhei o primeiro título de mestre. Para mim, existem outros mestres, existem outros doutores, formados da ciência do território Xakriabá.

 

Quais suas principais impressões a partir da experiência como pessoa indígena cursando a pós-graduação na UnB?

 

Existem duas questões: os desafios e o momento de reencontro. Um dos desafios tem a ver com o fato de que eu, entre a população que compõe o povo Xakriabá, que é de quase 11 mil pessoas, sou a primeira a entrar na pós-graduação. Por isso, minha estratégia foi tecer laços de convivência nesse outro território para não tecer solidão, diante das diferenças e do próprio racismo. Por estar na pós-graduação, eu não me sinto mais importante ou em algum lugar de privilégio, mas a experiência me fez viver o desafio de abrir e alargar caminhos para os outros que estão por vir. Para mim, o mais importante não é ser a primeira. É não ser a última. Minha experiência nesse contexto acadêmico também foi de resistência e resiliência nesse processo de mudança e transformação em conjunto com outros parentes indígenas, porque a UnB tem uma presença indígena muito grande. No diálogo do #InspiraUnB, pretendo trazer as experiências e estratégias que vivenciei para ter relações que me levassem além da formação acadêmica.

 

O que te motivou a ingressar no mestrado?

 

A proposta do curso diferenciado, de transgressão, subversão decolonial, que é esse caminho que a gente sonha. Além disso, a proposta de engajamento e de comprometimento também com as questões de povos e de comunidades tradicionais. Para mim, entrar no mestrado é, além de pensar descolonização das mentes, pensar descolonização dos corpos. Acredito que junto com outros povos, em certa medida, nós conseguimos tornar um pouco mais indígena o lugar desse território frio acadêmico, pensando transformações e transgredindo pensamentos.

 

Que desafios você enxerga para que ocorra a inclusão de vozes diversas na academia?

 

Ao adentrar no território acadêmico, umas das minhas inquietações foi ver o conhecimento ser produzido de forma fragmentada, tudo se discute em seção, os recortes dos recortes. Para nós, no território indígena, o movimento da vida não é assim, o conhecimento produzido em torno destes elementos opera de maneira articulada. Por que quando me proponho falar de educação eu não posso interagir com a dinâmica do território? Por que tenho que escolher entre o território e educação? O processo de descolonização do pensamento requer pensar em transformação das estruturas sistêmicas. Para transgredir esse pensamento a uma educação territorializada, carecemos ter um movimento cotidiano de práticas subversivas, para isso se faz necessário reaprender e isso significa uma retomada de valores. A maior inquietação é pensar como fazê-lo. Subverter requer colocar nosso corpo e mente em ação, portanto, não há alternativa que não seja começar e fazer. Como começar? O único conselho seria: aprenda a se descalçar dos sapatos que usou para percorrer o caminho e acessar os conhecimentos produzidos no centro e deixe os pés tocarem no chão, deixe a sabedoria chegar – ela tem temporalidade diferente da inteligência. Se existe ou não caminho aberto, comece a fazer uma picada, se já tens a picada, abra um carreiro, se já tens carreiro, alarga em uma estrada. Somente com esse exercício podemos ampliar os horizontes, construir uma educação inspirada nas experiências dos povos indígenas e efetivar as práticas decoloniais para além do discurso. 

O território indígena, com suas forças e tradições, exerce atração permanente sobre a pesquisadora convidada para o #InspiraUnB. Foto: Edgar Correa Kanaykõl

 

O que dizer sobre a vivência longe do território indígena, experienciada ao longo do mestrado?

 

Foi a primeira vez que eu fiquei mais do que um mês fora do território indígena. Porque até então, na graduação, no período em que nós não estávamos na UFMG, os professores estavam no território indígena para a gente não sentir muito a ruptura. Em Brasília eu encontrei processos de solidariedade muito grande. Quando entrei no curso, ainda estava trabalhando na Secretaria de Educação, mas percebi que era inviável conciliar. Assim, para me manter em Brasília, eu contava muito com essas redes solidárias e com algumas palestras remuneradas. Além de sentir falta do território, sinto falta dos corpos do território e isso é muito forte. Tinha momentos que eu me sentia completamente esgotada e que não tinha o que fazer. A questão não era conversar com outra pessoa. Não importava se a outra pessoa ia me dar atenção: era a ausência do território. Nessa hora que eu estava esgotada, não tinha outro remédio a não ser o de retornar para território, ainda que por poucos dias. Minha única saída é o território e as relações que têm nele, tanto com as pessoas como com a própria espiritualidade. O território sempre está me chamando.

 

BOAS-VINDAS Para ouvir mais de Célia Xakriabá, basta comparecer ao Centro Comunitário Athos Bulcão, no campus Darcy Ribeiro, na próxima quarta-feira (15), às 10h. Para se informar sobre essa e outras atividades de recepção aos estudantes , acesse o site de Boas-Vindas.

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.