DIVERSIDADE

Na semana da visibilidade trans, público universitário e rede informal de apoio no Distrito Federal promovem discussões temáticas

 

Visibilidade trans: programação da Diretoria da Diversidade se estende por toda a semana. Arte: Igor Outeiral/Secom UnB

 

Desde 2004, 29 de janeiro é conhecido como Dia da Visibilidade Trans. Para marcar a data, a Diretoria da Diversidade (DIV), vinculada ao Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) da UnB, promove atividades ao longo desta semana. Em foco nas atividades estão questões como empregabilidade, direitos e saúde das pessoas trans – assuntos que permeiam o dia a dia de todos os indivíduos, mas que apresentam nuances e abordagens específicas para esta população.

 

Pascale de Moitroux, 31 anos, sempre soube que não era como queria ser. “Eu tinha essa sensação e, só com leitura e conhecimento do meio, percebi que era uma questão de gênero”, afirma. Nascido biologicamente como uma mulher cis – terminologia utilizada para indicar se houve ou não o processo de transicionamento –, Pascale é hoje um homem trans. “E muito bem resolvido”, declara com alegria. 

 

Professor substituto da Secretaria de Educação do Distrito Federal, ele crê que sua vivência como mulher define o homem que almeja ser. “Não quero perpetuar comportamentos machistas.” Aos 12 anos, antes mesmo de iniciar o processo de transição, o adolescente percebeu que gostava de meninas. "Minha essência ainda é a mesma, só o frasco muda", defende Pascale, que também é formado em Artes Cênicas e realizou uma performance na capital. 

"A essência ainda é a mesma, o que muda é o frasco", diz Pascale, homem trans. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

“Sexualidade e gênero não são dependentes. Quando eu ainda não havia iniciado a transição, era uma mulher cis e preferia me relacionar com mulheres, eu era tido como lésbica. Hoje, como um homem trans que busca relacionamentos com mulheres, sou heterossexual”, avalia.

 

Pascale faz parte do grupo de apoio psicossocial oferecido pelo Ambulatório de Gênero do Hospital Universitário (HUB). “Temos atendimento psicológico, psiquiátrico, social e referenciamento para outras unidades em caso de hormonização”, explica a psicóloga da Fundação Universidade de Brasília (FUB) lotada no HUB, Isabel Amora.

 

O nome Ambulatório de Gênero é utilizado por equipe e pacientes, embora o local não ofereça estrutura completa para pessoas trans. “Ainda precisaríamos de profissionais de endocrinologia, mastologia, urologia, ginecologia e outras áreas demandadas por essa população para fazer jus ao nome”, explica Rafael Cauzada, chefe da Unidade de Saúde Mental do HUB.

 

PROGRAMAÇÃO – Em comemoração ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, saúde será um grande tema de discussão em todos os campi da UnB, no HUB e na Secretaria de Saúde do DF. Na terça-feira (30), a Faculdade de Ceilândia (FCE) reúne-se no auditório local para discutir saúde trans com Isabel Amora, do HUB, e Edu Cavadinha, do Observatório Saúde LGBT (Nesp/Ceam/UnB). Na sexta-feira (2), o HUB promove uma roda de conversa sobre saúde integral das pessoas trans.

 

“Muitas vezes recebemos e-mails, até mesmo de outros estados, em busca de informações sobre onde procurar apoio dentro da UnB, por isso é importante promovermos essas discussões”, explica Célia Selem, coordenadora da Diversidade Sexual da Diretoria da Diversidade (DIV/DAC). “Nossa programação está riquíssima e queremos trazer mais pessoas para o debate”, defende.

 

Outro destaque da programação será a discussão da Resolução CAD 0054/2017, que define a sistemática do uso do nome social na UnB. O evento acontece na sexta-feira (2), às 14h, no anfiteatro 10, que fica no ICC Sul.

 

MERCADO DE TRABALHO – Na quarta-feira (31), será apresentado um estudo sobre empregabilidade trans. Maria Leo Araruna, estudante de Direito, é uma das participantes da pesquisa. “Entrei no estudo a partir do convite de uma amiga trans, Taya Carneiro. A ideia era ter dados suficientes para formular demandas para o governo”, explica.

Maria Leo Araruna desenvolveu a pesquisa de empregabilidade para pessoas trans juntamente com outras duas pessoas trans. Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

 

A pesquisa foi feita por Maria Leo, Taya Carneiro e Bernardo Mota, que são alunos trans da Universidade. A professora cis Fernanda Martinelli, da Faculdade de Comunicação (FAC), é parceira no projeto. O grupo captou facetas da realidade do Distrito Federal em uma pesquisa qualitativa. “Entrevistamos 23 pessoas trans para buscarmos entender suas narrativas e histórias de vidas", conta Maria Leo.

 

“Buscamos um tema que nos mobilize. Enquanto pessoas trans que constroem redes de afeto e relacionamento com outras pessoas trans, conseguimos identificar quais são as dinâmicas sociais que nos violentam e nos impedem de ter uma vida mais saudável e possível”, afirma Maria.

 

GRUPOS DE APOIO – A Universidade de Brasília e o HUB já trabalham conjuntamente de maneira informal no apoio às pessoas trans. “É possível buscar terapia individualizada no Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (Caep) da UnB, já que, no hospital, nosso foco é a terapia em grupo”, explica Isabel Amora.

 

No Caep, o psicólogo clínico Felipe de Baere faz atendimento focado em público LGBTQI – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer e Intergênero – e também recomenda o HUB para os pacientes em tratamento. “Essa população tem grande incidência de ideação suicida. Entender os próprios sentimentos pode ser mais fácil quando se está em um grupo que lida com as mesmas questões”, explica Felipe.

 

“Nunca recebi um paciente que jamais tivesse tido pelo menos um momento de ideação suicida”, explica Jussane Mendonça, psiquiatra do Ambulatório Trans do Hospital Dia do Governo de Brasília. “Geralmente, as pessoas trans trazem sofrimento interno e externo. É um grupo com altíssima incidência de ansiedade e depressão”, complementa Isabel Amora. As conversas entre esses profissionais se dão por meio de grupos, contatos profissionais e outras alternativas, mas asseguram à pessoa trans a perspectiva de ter com quem contar.

Kyola Vale, psiquiatra da Secretaria de Saúde do DF, promove conversas com equipes dos hospitais onde trabalha para conscientizá-las da necessidade de tratamento humanizado. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

“Recebo pacientes em perspectiva de violência, trabalho com medicina de família”, explica a psiquiatra do Hospital Materno Infantil e do Hospital de Base Kyola Vale. Ela é uma das profissionais mais acessíveis à comunidade trans e chega, inclusive, a disponibilizar seu contato pessoal em alguns casos. “Tenho muito carinho por essa comunidade. Recebo todos de braços abertos. Se precisarem ouvir, falo mesmo!”, conta.

 

Kyola atende pacientes maiores e menores de idade. Estes últimos, desde que acompanhados pelos pais. “Em caso de menores de idade, recomendo buscarem o Adolescentro." 

 

No centro de saúde especializado em adolescentes trabalha o hebiatra Luiz Fernando Marques, que atende jovens que ainda não podem procurar autonomamente outros centros. “Para ser atendido, basta ter entre 12 e 17 anos incompletos. Não é necessário ter autorização dos pais, mas a presença da família é muito importante para o sucesso de tratamentos psicossociais”, defende.

 

Caso um jovem atendido no Adolescentro ultrapasse a idade do público-alvo do local, o médico recomenda que ele procure outra unidade de saúde especializada para atendimento, como o Ambulatório de Gênero do HUB ou o ambulatório Trans do Hospital Dia, onde Luiz Fernando também atua como clínico médico.

 

PARCERIAS – O Hospital Universitário trabalha, juntamente com outros profissionais da saúde do DF, na intenção de institucionalizar, em breve, uma rede já informal existente entre os profissionais que trabalham em prol da causa das pessoas trans. “Vamos fazer visitas a Porto Alegre e a Goiânia, onde já funcionam ambulatórios de gênero, para aprender com a experiência desses parceiros”, explica Cauzada.

 

“Fizemos reuniões com a equipe do Ambulatório Trans do Hospital Dia e pretendemos viabilizar institucionalmente uma parceria que deixe clara a rede de apoio com que as pessoas trans podem contar, por meio de referenciamentos a outras unidades”, esclarece a superintendente do HUB, Elza Noronha.

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