OPINIÃO

Ricardo Toledo Neder é professor da Faculdade UnB Planaltina (FUP). Coordena o Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina e a ITCP - Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (da rede universitária de ITCPs brasileiras), ambas com atuacão na Universidade de Brasilia, operando a partir da Faculdade UnB Planaltina. Graduado, mestre e doutor em Sociologia e Políticas Públicas com Pós-doutorado em Neocorporativismo e Teoria da Regulação, Desenvolvimento Territorial e Regional Sustentável e Filosofia da Tecnologia.

 

Sociólogo e economista político, professor associado da UnB. Editor-chefe da Revista Ciência & Tecnologia Social  e da coleção Construção Social da Tecnologia ambas vinculadas aos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no Brasil, e ao PLACTS – Pensamento latinoamericano de Ciência, Tecnologia, Sociedade, associados ao grupo de pesquisa Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina. Coordena o Núcleo de Pesquisa NP+CTS (Políticas CTS – Ciência, Tecnologia, Sociedade) CEAM/UnB, e o Programa de Extensão Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (da rede ITCP de incubadoras universitárias no Brasil) sediada na UnB Planaltina.

Ricardo T. Neder

 

Escolas de Altos Estudos surgiram na universidade brasileira em meados dos anos 1970, quando havia necessidade de desenhar cenários de futuro que pudessem superar o horizonte de uma falsa oposição entre escolher por investimento econômico para acumulação, em detrimento das inversões em educação. Um dos pressupostos que orienta as políticas de educação superior, ciência e tecnologia contemporâneas (e o Brasil não escapa desta tendência) tem sido criar uma correlação entre indicadores de produtividade na economia, associado-os aos indicadores de letramento científico (matemática, raciocínio lógico, redação, etc), inclusão social, cultural etc.

 

O sistema de avaliação educacional Pisa (Programme for International Student Assessment ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na faixa dos 15 anos) não tem a meta de revelar tal correlação, mas seus dados tem sido fartamente utilizados para mostrar que a produção tecnocientífica elevada de um país, acompanha sua produtividade, e vice-versa. (No Brasil o PISA é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep).

 

Avaliações em geral, com tal abrangência, tendem a gerar um sistema pouco preciso, com ênfase maior na educação em geral, do que na produção de conhecimento científico, em particular. Mas afinal, qual o elemento chave para o incremento da produtividade numa sociedade? A educação em geral? A tecnocientífica em especial?

 

Podemos, assim, perseguir outras pistas que, combinadas com os indicadores do PISA por exemplo, nos permitam identificar dimensão chave esquecida da política tecnocientífica junto às políticas sociais? Acaso já se perguntou o/a leitor/a como a sociedade em geral, mas especialmente, os agentes econômico-produtivos empregam nossos jovens formados no sistema educacional, e como serão suas trajetórias profissionais diante do que ensinamos como tecnociência na universidade?

 

Estas e outras perguntas tem sido feitas pelos pesquisadores colegas dos trinta e quatro núcleos temáticos, dois programas de pós-graduação, e um observatório da juventude que compõem a estrutura do CEAM, Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB. Por que vale a pena valorizarmos e tratar com carinho os espaços como o Centro de Estudos Avançados dedicado a fazer perguntas provocadoras e multidisciplinares?

 

Como se estabelece a correlação entre o parcelamento das tarefas nas diversas formas de organização do trabalho na atualidade, e a relação hierárquica operário-patrão que caracteriza a produção capitalista? Esta pergunta nos levaria a debater a função social do controle hierárquico da produção (Consistiria em permitir a acumulação de capital? Perpetuar privilégios? Gerar desigualdades?).

 

Escolas de Altos Estudos, mutatis mutandis, também precisam ser provocadoras porque esta é uma função que não se aprende sem prática. Deixadas as grandes áreas de conhecimento com suas especializações correrem soltas, todas vão desaguar no mar, como algo que assumiremos ser natural, quando não o é.

 

Lembremos que em sociedades pré-capitalistas, a produção industrial era organizada de acordo com uma estrita hierarquia mestre-companheiro-aprendiz, que aparentemente sobrevive apenas no ensino superior, a duras penas. Perguntas provocadoras precisam organizar a produção do conhecimento de forma multidisciplinar para assegurar respostas provocadoras, igualmente, que não dependem de um problema estruturado.

 

Enquanto este último está fadado a ser uma forma de divisão de funções e tarefas sob hierarquia pré-definida para atingir produtividade esperada entre especialistas num leque de disciplinas próximas – caso de laboratórios bioquímicos, já um problema não-estruturado exige que o trabalho de equipe opera sob a lógica mestre-companheiro-aprendiz, e com base na cooperação e colaboração de cabeças que tenham uma efetiva prática multidisciplinar para atingir resultados.

 

Estes podem até nem ser imediatamente reconhecidos, e tampouco legitimados como resposta ou solução. Mas sua formulação é fundamental. No que consiste a importância de um problema não estruturado, que é tipicamente o modus operandi das Escolas de Estudos Avançados? Sociedade pré-modernas e modernas atribuem diferentes pesos relativos à sistematização e às mediações do tipo parcelamento de tarefas, hierarquias, controle do trabalho, produtividade, etc.

 

Em sociedades pré-modernas redes técnicas eram relativamente curtas e estavam acopladas fortemente a pontos fixos de organização (corporações de ofício, ou guildas, por exemplo, eram associações que surgiram na Idade Média, a partir do século XII, e se fixavam como nós territoriais; em cada cidade medieval havia várias corporações de artesãos: dos tecelões, dos tintureiros, dos ferreiros, dos carpinteiros, e dos coveiros que desde aquela época, já entravam em greve!).

 

Mediações muito bem elaboradas valorativamente controlavam cada aspecto da vida técnica (aqui, o sentido da palavra técnica é inseparável do que nós modernos chamamos de arte e religião). Armas e tendas tribais podem adquirir uma mesma conotação simbólica, mas esta ligação se dá não por serem sistematicamente correlacionados no sentido de adquirir especificações técnicas como fazemos com tecnologias modernas.

 

Como resultado as sociedade pré-modernas podem alcançar apenas um limitado alcance espacial no sentido de que suas redes de divisão do trabalho estão confinadas a regiões ou locais. Elas porém, conquistam a duração do tempo pois podem ser reproduzidas por milhares de anos, com sucesso.

 

Sociedades modernas enfatizam a sistematização e constroem longas redes de funções e profissões, cargos e hierarquias por meio das quais procedem a acoplamentos rígidos, mediante ligações de poder, trocas monetárias, financeiras, de matérias primas por longas distâncias entre diferentes tipos de coisas e pessoas.

 

Tal caracterização coincide com o funcionamento das corporações e grandes empresas na atualidade, porque elas exigem que a produção de conhecimento tecnocientífico seja despido da maioria de seus atributos valorativos relacionados às culturas étnicas, gênero, ecologia, meio ambiente, tráfico ou violação de direitos humanos.

 

A ênfase daí resultante na instrumentalização e na sistematização do conhecimento científico, torna possível tanto a grande dimensão das organizações hierárquicas, quanto as disciplinas técnicas. Embora as sociedades modernas tenham adquirido grande poder sobre seres humanos e natureza, detém, em contrapartida, pouco controle sobre o tempo, a tal ponto que abriram-se grandes incertezas quanto à capacidade deste tipo de sociedade sobreviver por um novo século.

Esta é uma perspectiva, que tenho certeza, muitos dos docentes da UnB compartilham e que desejariam ver realizada na renovação do CEAM, uma autêntica escola de estudos avançados da UnB no Séc. XXI.