OPINIÃO

Alexandre Pereira da Rocha é doutor em Ciênciais Sociais pelo Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília.  Graduado e mestre em Ciência Política pela UnB. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, criminalidade, polícia, estudos comparados.

 Alexandre Pereira da Rocha

 

A ex-presidente Dilma Rousseff enfrentou o processo de impeachment já condenada. Acusações, defesas, recursos e discursos que permearam esse processo foram meras formalidades. Semelhante a casos que ocorrem na justiça comum – principalmente dependendo do grau de moralidade atribuído ao réu – julgadores, denunciantes e defensores já possuem a sentença antes do bater do martelo. Assim, entre controvérsias, Dilma Rousseff entrou para a galeria dos presidentes da República desapossados.


Neste impeachment a tese de golpe tomou a cena desde o princípio. A defesa da ex-presidente Dilma apontou as ações vingativas do deputado Eduardo Cunha, à frente da Câmara dos Deputados; as manobras do senador Aécio Neves para estender os debates do período eleitoral; a rasteira dada pelo vice-presidente Michel Temer e quase totalidade do PMDB; enfim, um complô de elites irascíveis. Nada disso foi suficiente.


Por outro lado, o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), ratificou que os ritos do impeachment foram observados. Da petição inicial, alegando crime de responsabilidade da presidente da República, às formalidades no Congresso Nacional, tudo transcorreu dentro do devido processo legal. Diante disso, os acusadores da ex-presidente Dilma tiveram argumentos para formar a antítese do golpe. Saíram-se vencedores.


Com a saída de Dilma, fica em definitivo Michel Temer. É curioso. Ele não teria prestígio de se tornar presidente da República pelas vias eleitorais convencionais, mas teve habilidade de se imiscuir na chapa vitoriosa como vice-presidente. Não obstante, Dilma também não teria condições de se impor por ela mesma ao eleitorado, pois foi criação do ex-presidente Lula. Desse modo, os dois possuem uma característica em comum: a carência de capital político para presidente da República. Por essa similaridade, tinham pouco respeito entre si, inclusive ambos disputavam nichos de poder no Planalto.


Dilma e Temer se tornaram presidentes da República em decorrência de circunstâncias, conveniências, desventuras que povoam a seara política. São vistos, portanto, como figuras satélites que podem ser postos e depostos sem grandes rupturas. Não é à toa que Dilma passou pelo impeachment, não por que tenha cometido algum crime, mas por causa de sua obtusa relação com o legislativo. Enquanto isso, Temer foi alçado presidente não por ser a salvação do país, contudo por ser manobrável num real páreo eleitoral. Afinal, a fragilidade política desses protagonistas, num momento político polarizado, contribui para o impeachment.


Nesses termos, provar que houve crime de responsabilidade por parte de Dilma foi útil para justificar os autos do impeachment, porém pouco relevante para a maioria dos atores do sistema político. Na verdade, ocorreram acordos e artifícios de bastidores que ela, PT e companheiros subestimaram ou não conseguiram dissolver previamente. Assim, política e moralmente rebaixada, Dilma caminhou para um julgamento condenada de antemão. Tanto que nem o ex-presidente Lula – que mesmo desgastado, é liderança de renome – teve como socorrê-la. Coube à Dilma e aos correligionários o amargo discurso de golpe, que senão de Estado, parlamentar ou pelo menos de ex-aliados políticos.


Depois do impeachment, o que fica? Temer. Não ele sozinho, mas todos os que articularam pelo afastamento de Dilma. Ora, se ela deixou o Planalto por casos de corrupção em sua gestão, é notório que os que assumem também respondem pelo mesmo erro. Então, nada de novidade pós-impeachment. Constatação: esse processo não teve por propósito expurgar os ditos corruptos do poder. Logo, embora peça legal do ordenamento jurídico brasileiro, o impeachment se prestou a fins mesquinhos de alguns atores no espectro político. Isso é uma tragédia que lança dúvidas sobre a capacidade desse instituto de analisar crimes de responsabilidade do presidente da República.


Destarte, no julgamento do Senado, ato final do impeachment, o veredito de Dilma já estava sumariamente pronto. Não pelo ministro-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que conduziu o julgamento sob a venda da justiça, mas pelos pares políticos dela que avaliaram com vieses o citado processo. Em síntese, o impeachment de Dilma foi legalmente válido, entretanto politicamente ardiloso, tendo em vista que escrúpulos por poder falaram mais alto do que a razoabilidade política.

 

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