OPINIÃO

Aldo Paviani  é geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília, membro da Associação Nacional de Escritores (ANE) e do Instituto Histórico Geográfico do DF (IHG.DF) e do Núcleo do Futuro da UnB/Ceam. Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Aldo Paviani

 

Há cerca de seis anos, Brasília se exibiu em foto tirada do espaço por tripulante da Estação Espacial Internacional, mostrando-se como cidade tentacular, em nada assemelhada à proposta inicial do genial urbanista Lucio Costa. De onde vieram os tentáculos? A resposta é simples. São emendas improvisadas que ligam o Plano Piloto, pensado como capital federal, aos núcleos urbanos, que surgiram para acomodar a leva de imigrantes em busca de oportunidades durante a construção da capital. Desde a criação improvisada de Taguatinga, em 1958, cidades-satélites foram projetadas nos anos seguintes, o que deu ao conjunto urbano um formato muitíssimo diverso do arquitetado centro da capital.

 

Em síntese, a mudança no padrão de povoamento de cidade fechada no Plano Piloto para a ocupação de vasto território do DF, com núcleos múltiplos, redesenhou a capital. A rigor, desde os anos 1970/1980, em que o polinucleamento formatava a geografia local, a evolução urbana apresenta um continuum urbano irreversível e com tendência à conurbação semelhante a qualquer outra grande cidade brasileira. Isto é, passamos de um modelo urbano de polinucleamento para um modelo de conurbação. Isso é bom?


Surge, assim, outra questão: quais vantagens e desvantagens apresentam esses modelos de ocupação territorial? Ou, que ganhos ou perdas teriam, no caso específico de Brasília, o polinucleamento e a conurbação? Primeiramente, deve-se considerar que o DF é a menor unidade da Federação, com 5.789,16 km². Portanto, estamos lidando com espaço bastante restrito, seja qual for o modelo. Em segundo lugar, cada localidade projetada é diversa das demais, sem padrão assemelhado de urbanismo. Em terceiro, cada cidade-satélite foi desenhada para receber um volume populacional diverso em razão dos respectivos territórios. Por exemplo: o Núcleo Bandeirante, com 3,91 km², foi consolidado com 21 mil habitantes (1960). Ceilândia, com 44,57 km², abrigou 82 mil moradores transferidos das grandes invasões (1971). Hoje, possui 489.351 moradores, enquanto o Núcleo Bandeirante, apenas 25.072 habitantes (Pdad/2015/2016 - Codeplan).


O grande benefício do polinucleamento é ambiental. Os núcleos urbanos podem estar separados por extensa vegetação, o que aumenta a qualidade da natureza e evita as ilhas de calor que cidades compactas apresentam. Ademais, menor espaço construído permite a infiltração da água da chuva e reduz as erosões. A grande desvantagem se encontra no fato de que as RAs foram implantadas para proporcionar apenas moradia aos seus habitantes, não moradia e trabalho. A não ser Taguatinga e o Núcleo Bandeirante, as demais regiões administrativas (RAs) possuem menor retenção dos moradores em atividades locais, embora isso venha se alterando aos poucos, com oferta de empregos em cada RA.

 

Por sua vez, a conurbação proporciona a junção de localidades, o que facilita o uso de transportes públicos e individuais. Porém, o padrão centralizado de atividades no Plano Piloto gera movimentos pendulares diários para o trabalho das RAs para o centro. Com a conurbação, os deslocamentos diários se tornam problema para o brasiliense. Outra desvantagem é ambiental, pois a criação de grande mancha urbana destrói largas porções do bioma cerrado e, com isso, impermeabiliza o solo com construções, vias e estacionamentos, o que proporciona alagamentos e fortes enxurradas, sobretudo em períodos de aguaceiros, como nesta época. Essa situação já se observa em Ceilândia, (como no Pôr do Sol e Sol Nascente), por ter essa RA a maior superfície construída do DF.

 

Assim sendo, qual Brasília sonhamos ver do espaço? Há territórios construídos que não podem ser desconstituídos, mas há que pensar em adaptar a cidade real aos tempos atuais, mirando o futuro. Manter a cidade polinucleada poderá parecer a melhor solução se cada RA apresentar complementos para oferecer atividades e serviços para reter trabalhadores e população em seu interior. A cidade que se deseja não destrói a natureza, mantém a qualidade ambiental - vegetação e mananciais. No modelo sonhado, não há necessidade de ampliação de vias e estradas parques, pois a população se ocupa em atividades nos locais de moradia pelos estímulos à descentralização. Com isso, o metrô e a frota de ônibus atenderiam a demanda por transportes coletivos sem a lotação excessiva atual. Portanto, a cidade que se quer tende a ser mais justa, não obriga a população a desgastantes deslocamentos no interior da metrópole e lhes garante melhor qualidade de vida, integrando o homem e a natureza.

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Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense em 1/2/2017

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