OPINIÃO

Luciano Mendes é professor do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Doutor em Comunicação (UnB) e coordenador do grupo de pesquisa GIBI – Grupo de Estudo de História em Quadrinhos. (Behance

Luciano Mendes

 

Vivemos um tempo em que as mais loucas fantasias nerd estão sendo experimentadas, e quem não tem referências pop o suficiente não está se dando conta. Nós nerds somos privilegiados por termos vivido inúmeros cenários futuros, desde os mais distópicos e apocalípticos aos mais idílicos nos quais conquistamos o universo. Sabemos aonde a humanidade chega, seja na sua derrocada seja na sua expansão intergaláctica. Se tem alguém preparado para o que está rolando agora e para o que está por vir é uma potente pessoa geek.

 

Em pouco mais de 20 anos de século XXI vivemos coisas que só imaginávamos embalados por nossos ídolos. Asimov, K. Dick, Gibson, Lee, C. Clarke, Orweel – entre tantos outros e outras – nos levaram aos extremos de nossos desejos e sonhos, fazendo com que nossa realidade se transformasse e nossas especulações fantásticas se convertessem em potencial verdadeiro. Assim quando satélites entraram em órbita, tripulações foram ao espaço, câmeras passaram a nos espreitar 24h, realidades virtuais foram experimentadas e galáxias foram avistadas por tecnologia real, nós nunca fomos pegos de surpresa.

 

E hoje, quando as Inteligências Artificiais (IAs) ganham destaque na mídia, nós, mais uma vez, assistimos a tudo com certo ar de superioridade já que sabemos onde isso vai dar. Não quero ser o portador do spoiler supremo, mas no universo geek temos vários tipos de relatos para dar conta dos próximos passos após mais essa revolução. A vida imita a arte? Às vezes me parece que a imitação é tão fiel que lembra ficção clichê. Se os clássicos nerd tivessem sido lidos, assistidos e experimentados com atenção, a humanidade poderia ao menos ter vivido esses momentos de ruptura com mais sabedoria e estar mais preparada para os impactos causados por eles.

 

Hoje, quando vejo a sociedade deslumbrada com as IAs, pensando como elas vão afetar o trabalho, as artes, a vida e o futuro, fico imaginando qual cenário apresento. O fim apocalíptico da Skynet, de Hall 9000 e de Ultron ou a evolução fantástica e improvável de Wintermute, o humor nonsense do Pensador Profundo ou mesmo o pessimismo de Marvin o andróide paranóide. Dessa forma, em cada nerd existe um Neo que domina e entende a Matrix, preparado para desviar do senso comum, do medo infundado e da caretice.

 

Nossos ídolos não tinham bola de cristal, mas possuíam algo muito mais poderoso e singular. Sabiam interpretar o presente e seus apontamentos para elaborar futuros possíveis e sobretudo verossímeis. Acertaram muito e cada dia que passa continuarão nos surpreendendo com seus mundos impossíveis cheios de possibilidades reais.

 

Se você acredita que a IA vai substituir nossa imaginação e criatividade, pode até ter alguma razão. Mas te digo que essa tal IA só existe porque um dia um nerd a imaginou e a pôs para funcionar em um mundo ficcional e, a partir desse marco, o universo conspirou para fazer do imaginado, realidade. O ensaio da ficção, o rascunho do conceito testado com cada leitor, espectador ou jogador já tinha em si a potência do vir a ser.

 

Estudiosos dizem que a singularidade tecnológica está próxima – 2045 segundo alguns –, mas continuo confiando na cultura nerd e não me preocupo, pois o que vem a seguir já está marcado em papel, película, frames, zeros e uns, e basta que prestemos reverência e atenção verdadeira aos nossos cânones. Independente do prompt que elaborarmos ou da pergunta que formularmos, a resposta só existe porque já foi “nerdemente” imaginada. Você até pode dizer que vai obter “a” resposta formulando uma pergunta notável ao ChatGPT, mas te digo que ele vai fazer um pastiche desleixado do que nós, geeks, após nossas singulares jornadas, temos o privilégio de ter inscrito em nossos corações e mentes: a resposta definitiva para a questão fundamental da vida, o universo e tudo mais.

 

 

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