OPINIÃO

 

Joerg Nowak é professor visitante na Universidade Brasília. Doutor em Ciência Política, Universität Kassel, Alemanha.

Joerg Nowak

 

Como já mencionado no último artigo sobre o encontro nacional da ABET, que ocorrerá em Brasília entre os dias 5 a 9 de setembro de 2023, a pandemia de covid-19 levou a mudanças dramáticas no mundo do trabalho.

 

Vamos dar um olhar mais aprofundado nas categorias profissionais que foram desproporcionalmente afetadas pelas infecções da covid-19. Entre eles estão as/os trabalhadoras/es do setor de saúde e os/as motoristas e cobradores/as de ônibus para transporte público. Nesses dois grupos houve uma taxa de mortalidade significativamente maior do que na população média, e uma falta de medidas públicas para garantir a proteção da saúde desses trabalhadores/as.

 

Os 6,6 milhões de trabalhadores/as do setor de saúde foram severamente afetados pelas infecções da covid-19 em seus locais de trabalho. No início da pandemia, os trabalhadores/as do setor se engajaram em paralisações, manifestações e greves a fim de protestar contra a falta de equipamentos de proteção pessoal, longas horas de trabalho e atrasos no pagamento de salários. Por exemplo, em 28 de abril de 2020, foi relatado que 42% dos casos confirmados de covid-19 no estado do Pará estavam entre os trabalhadores da saúde. Em todo o Brasil, no final de abril de 2020, mais de 7 mil trabalhadores/as de saúde foram colocados em licença devido a infecções com covid-19, e no estado de Minas Gerais 50% dos trabalhadores/as de saúde ouvidos pelo Ministério Público do Trabalho relataram que médicos/as e enfermeiros/as com uma infecção covid-19 não estavam autorizados a sair de licença por doença. Além disso, os/as trabalhadores/as com comorbidades frequentemente tinham que continuar trabalhando, apesar do risco para sua saúde.

 

Uma pesquisa realizada entre maio e agosto de 2020 com cerca de 3 mil entrevistados/as revelou os altos níveis de estresse dos profissionais de saúde durante a pandemia: 18,5% responderam que sofreram de depressão severa; 29,6%, sofreram de ansiedade severa; e 21,5%, sofreram de estresse grave. Estes altos níveis de estresse estavam, como em estudos comparáveis em outros países, ligados à percepção de risco de infecção pelo covid-19 no local de trabalho. Especialmente os médicos que eram subcontratados como trabalhadores/as autônomos/as não tinham direito a pausas ou licença médica. Muitos deles retornaram ao trabalho logo após uma infecção pela covid-19, pois de outra forma teriam uma perda significativa na sua renda.

 

Trabalhadores/as da saúde participaram de vários protestos logo no início da pandemia, por exemplo, em um protesto em 1º de maio de 2020 em frente ao Congresso em Brasília, denunciando as situações terríveis nos hospitais. O protesto tornou-se bem conhecido, pois várias das enfermeiras em protesto foram atacadas fisicamente por apoiadores do presidente Bolsonaro, dos quais um acabou sendo funcionário do Ministério dos Direitos Humanos. Durante o mês de maio de 2020, os trabalhadores da saúde lançaram protestos em frente aos hospitais das cidades de Natal e do Rio de Janeiro. O protesto no Rio de Janeiro, organizado pelo sindicato dos médicos SinMed-RJ, foi realizado por nove médicos com grande distância entre si a fim de evitar infecções por covid-19 e, no entanto, os participantes foram presos pela polícia por violação das regras de distanciamento social - enquanto protestavam a favor de regras mais severas de distanciamento social.

 

Os motoristas de ônibus em transporte urbano e público e os cobradores desses ônibus foram o segundo grupo profissional mais afetado depois dos profissionais de saúde em termos de infecções pela covid-19. Os 400 mil trabalhadores do setor tinham uma probabilidade de 70% de serem infectados durante o trabalho. Antes da pandemia, eles/as estavam transportando 20 milhões de passageiros em 2900 cidades todos os dias – em junho de 2020 este número havia diminuído para 8 milhões de passageiros devido a bloqueios parciais, e a frota ativa havia sido reduzida de 100 mil para 60 mil ônibus. Algumas cidades como Florianópolis haviam parado o transporte urbano de ônibus por três meses no total, e em Brasília a frota continuou a operar com capacidade total a fim de facilitar o distanciamento social dentro dos ônibus. Mas as grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, administraram suas frotas com 40% e 70% de capacidade durante os primeiros meses da pandemia, o que levou a uma superlotação de ônibus e uma alta quantidade de infecções entre motoristas e cobradores/as. Em muitas cidades, os testes não estavam disponíveis para os trabalhadores/as, o que dificultava o tratamento oportuno das infecções por covid-19. A diminuição do número de passageiros levou muitas empresas de transporte à falência e, portanto, a demissões. Durante 2020, 60 mil motoristas de ônibus perderam seus empregos devido à menor demanda de transporte urbano.

 

Essa difícil situação para os motoristas de ônibus levou a um grande número de greves no setor durante a pandemia. Entre dezembro de 2020 e maio de 2021, houve 38 greves e paradas de trabalho, e o governo teve que intervir em várias cidades para assumir o transporte de ônibus. Em dezembro de 2020, o então presidente Bolsonaro vetou um pacote de emergência de 4 bilhões de reais para o transporte público em cidades com mais de 200 mil habitantes. Somente em junho de 2022, houve greves de motoristas de ônibus em São Paulo, Fortaleza, Florianópolis, Campo Grande e Ribeirão Preto.

 

 

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