OPINIÃO

Albene Miriam Menezes Klemi é professora da Universidade de Brasília e doutora em História Moderna e Contemporânea pela Universidade de Hamburgo/Alemanha.

Albene Miriam Menezes Klemi

 

Quando em 1889 o Brasil deixou de ser uma monarquia e transformou-se em uma república regida pela Constituição de 1891, uma era chegara ao fim e com o nascimento da nova forma de governo  as suas Forças Armadas passaram a ter um ativismo político proeminente. Desde então, o Exército brasileiro participou em praticamente de todos os processos  que levaram a  mudanças de regime no país  e figurou nos cenários de crise.  


À luz dos acontecimentos de maiores consequências, mapeia-se as intervenções militares com o fito de identificar o peso do aludido ativismo político. Observa-se que no Império, de 1831, quando Pedro I abdicou e voltou para Portugal, até 1889, ano da Proclamação da República, o país não conheceu nenhuma crise do governo central decorrente de interferência militar.


 A primeira intervenção das Forças Armadas no cenário republicano veio a ser a própria Proclamação da República. No dia 15 de novembro de 1889  tropas do Exército cercaram o Ministério da Guerra exigindo a demissão do ministério de  Ouro Preto, que teria feito o seguinte comentário: “Nesse caso, a Monarquia acabou”. Deodoro da Fonseca atendera ao apelo de líderes republicanos, e derrubou o Gabinete Liberal com apenas um  regimento. Na noite desse mesmo dia, constituiu-se o Governo Provisório que teve como chefe o próprio Marechal-de-Campo Manoel Deodoro da Fonseca. Assim, a República foi proclamada por meio de um golpe de estado e implantada de cima para baixo  sem  ação popular. Aliás,  o povo, alheio aos eventos, “assistira a tudo bestializado” conforme frase lapidar do jornalista e primeiro ministro do Interior do novo regime, Aristides Lobo.


 A Primeira República oligarca  encontrou seu desfecho 41 anos mais tarde, quando a  ‘Revolução de 30’ pôs fim aos seus desígnios.  No meio de uma forte crise entre  as elites políticas que comandavam o país, deslanchou-se um movimento civil em aliança com a cúpula militar. A deposição do presidente Washington Luís foi protagonizada pelos militares. Em  24 de outubro de 1930, no Palácio do Catete o presidente estava reunido com 7 ministros e os chefes dos gabinetes civil e militar quando  adentraram no salão, sem audiência marcada, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha.  Os militares exigiram a renúncia do presidente  e  assumiram o poder.  Deposto, do palácio o presidente preso foi levado em um automóvel para o Forte de Copacabana e de lá enviado para o exílio na Europa, onde permaneceu por 17 anos. O líder civil da revolução, Getúlio Vargas, assumiu o poder quando chegou com seu comboio na Capital Federal vindo do Rio Grande do Sul, em 3 de novembro daquele ano. Em 1934, o novo regime colocou em vigor uma nova constituição.


 Em 1937,  com apoio do Exército, deu-se um golpe de Estado e instaurou-se a ditadura do Estado Novo que de pronto outorgou a Constituição de 1937. A  experiência ditatorial sustentada por militares  teve seu desfecho em 29 de outubro de 1945 quando  Vargas foi  deposto pelo Alto Comando do Exército. Seguiu-se um período de experiência democrática sob  a Carta de 1946. Todavia, em dois momentos desse período, os militares interferiram ativamente na cena política: em  11 de novembro 1955, com o chamado  Golpe Preventivo ou Contragolpe para assegurar a posse do presidente democraticamente eleito Juscelino Kubitscheck; e em 1961, por ocasião da renúncia do presidente Jânio Quadros (25/08/1961) para impedir a posse do vice democraticamente eleito, João Goulart. Resultando essa crise sucessória decorrente da resistência dos militares,  na mudança casuística do sistema de governo de presidencialista para parlamentarista.


Na madrugada de 31 março de 1964, mais uma vez em associação com elites civis, os militares desencadearam um golpe de estado e instituíram  uma nova ditadura que durou 21 anos. Dessa vez assumiram diretamente o comando do sistema político. Com a redemocratização foi promulgada a constituição Federal de 1988.


Identifica-se, assim, que nesses 133 anos de vida republicana o Brasil passou por  várias mudanças de regime e  teve cinco constituições – média de uma constituição a cada 26 anos; a mais breve, a de 1934, ficou em vigência cerca de três anos e a mais longeva até aqui, a de 1891, perdurou por 39 anos. Esses dados, isoladamente, dão mostra da instabilidade política na vida republicana, decorrente esta, dentre outros fatores, do ativismo político das Forças Armadas. Constata-se, assim,  que  em praticamente todos os  contextos nos quais ocorreram mudanças de regime e as constituições nacionais foram derrogadas, registrou-se  ação de militares – ativismo inaugurado com a proclamação da República.

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