OPINIÃO

Paulo José Cunha é professor da UnB, escritor e jornalista.

Paulo José Cunha

 

Minha mãe, antes de ser devastada pelo Alzheimer, nos almoços de família em períodos pré-eleitorais, “concordava” (da boca pra fora) com o consenso dos parentes em torno desse ou daquele candidato. E, para não azedar a comida, dizia que votaria, sim, no candidato apontado pelos parentes. Mas nem bem saíamos e ela cochichava em meu ouvido: “Eu disse que ia votar no Fulano pra não criar confusão. Mas vou votar mesmo é no Sicrano, porque acho que o Sicrano vai ser bem melhor para o povo. E ninguém vai mesmo saber em quem eu votei, né? O voto é secreto. Se perguntarem, vou dizer que votei no candidato deles. E pronto, tá resolvido!”

Assim dizia, assim fazia. E estava... certíssima! Agia de acordo com o que ditava sua consciência, sob a proteção do voto secreto, que existe exatamente pra isso. Ele surgiu no Brasil com o Código Eleitoral de 1932, na era Vargas. Antes, o voto era a bico-de-pena, ou seja, todo mundo – principalmente os coronéis que tinham poder de baraço e cutelo – sabia em quem todo mundo estava votando. Agora, atenção porque vou escrever uma heresia, e das grandes, mas que é a mais pura verdade: o voto secreto existe exatamente para permitir que eleitores traiam à vontade, sem dramas de consciência! Por falar em consciência, é bom lembrar que o primeiro compromisso do ser humano é com sua consciência. E, justamente por isso, devem votar... em quem quiserem votar, sem dar satisfação a ninguém.  

O voto secreto é a garantia da impunidade em caso de traição. Só ele permite que os eleitores não se submetam a compromissos familiares ou profissionais e façam sua escolha segundo suas convicções, e não segundo qualquer tipo de pressão moral, psicológica, religiosa etc.   

A eleição de domingo próximo é o momento de aproveitar o segredo da urna para exercer o direito de votar livremente. Numa eleição polarizada como essa, é normal que os mais diversos grupos de interação – família, colegas de trabalho, amigos, membros de uma certa igreja etc, exerçam pressão para que todos sigam por um determinado caminho político-ideológico-eleitoral. “Ah, mas lá no meu trabalho todo mundo tá dizendo que vai votar no Fulano, e eu não posso trair a confiança deles votando em um outro candidato”. “Na igreja, o recomendaram que todos votem no Fulano, porque votar no Sicrano é se juntar com o demônio”. “Meu patrão falou que se souber de alguém que não votou no candidato dele esse traidor tá demitido”. “Na minha família todo mundo tá dizendo que vai votar no Fulano. Como é que eu vou ficar se votar noutro nome?” E vai por aí.

Pois é justamente neste momento que cabe ao eleitor pensar no bem-comum. No que pode ser melhor para a comunidade, para o município, para o estado ou para o país. E não no que pode ser melhor para o pastor, o grupo familiar ou o “pessoal do escritório”. Conheço muitas pessoas que, presas aos compromissos familiares, a partir da influência de um membro com autoridade maior, terminam por aquiescer e concordar em votar no Fulano ou Sicrano, os candidatos dessa “autoridade” familiar ou profissional. Mas, se quiserem – e a natureza do processo eleitoral não apenas permite como incentiva – elas podem, sem dor na consciência, votar em quem desejarem, e ninguém tem nada com isso.

O voto é o momento da verdade individual, e não da conveniência. Não por outro motivo, no tempo do voto de papel, os “coronéis” políticos, a fim de se assegurar no comando do poder passando por cima da vontade do eleitor, criaram vários mecanismos para manter o eleitor no cabresto.  Um desses era o “voto formiguinha”. Funcionava assim: o eleitor recebia de um cabo eleitoral uma cédula previamente preenchida com os nomes dos candidatos indicados pelo “coronel”, entrava no local de votação, depositava a cédula preenchida na urna e saía com a outra, limpa, recebida do mesário, que entregava lá fora ao cabo eleitoral. Ele a preenchia, entregava a outro eleitor e assim a fila andava, até o final da votação. Dessa forma, o cabo eleitoral sabia exatamente como todos haviam votado. E o “coronel” se mantinha no controle e no comando. Se alguém se metesse a besta, rasgasse o voto previamente preenchido e escrevesse na cédula em branco o nome do candidato de sua preferência e não o do indicado pelo “coronel”, era fácil saber: - Cadê a cédula em branco que você recebeu do mesário? Como é que eu posso saber que você votou no nosso candidato e não em outro?

Por isso, aos que ainda se sentem constrangidos em votar – secretamente – com a consciência e tendem a se submeter às conveniências e aos constrangimentos familiares, profissionais ou religiosos, vale a reflexão: será que é melhor ajudar a eleger alguém apenas porque foi indicado pela família, pelos amigos do boteco, pelo pastor ou pelo patrão, mesmo sabendo que não será um bom presidente, um bom governador, um bom deputado ou um bom senador? Ou, ao contrário, votar de acordo com a própria consciência e escolher o que considera melhor para o país, para o estado ou para a cidade?

Como dizia o conselheiro Acácio, personagem de Machado de Assis em O Primo Basílio: as consequências sempre vêm depois. Portanto, vote com sua consciência. E pode trair, se lhe der vontade. A lei garante e protege sua traição. Sem medo de ser feliz.

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