OPINIÃO

Suely Sales Guimarães é pesquisadora colaboradora sênior do Departamento de Psicologia Clínica da UnB, Ph.D em psicologia, experiente em docência, pesquisa e assistência clínica em condições de transtornos mentais, sofrimento em condições adversas e psicologia da saúde. 

 

Suely Sales Guimarães

 

O setembro amarelo é uma campanha que visa a prevenção do suicídio e, durante este mês, são desenvolvidas atividades para conscientizar e sensibilizar a população quanto aos cuidados e acolhimento a serem oferecidos a pessoas com possível ideação suicida. Hoje, nossa reflexão é sobre o suicídio cometido por aqueles que mais salvam vidas: o próprio médico.


Mesmo sendo a medicina uma das profissões mais importantes e desejadas, a maior taxa de suicídio mundial ocorre entre médicos, chegando ao dobro dos índices documentados na população geral. Ainda com taxas tão altas, é considerado que haja significativa subnotificação do suicídio médico. Em algumas situações os atestados de óbito podem, por exemplo, apontar um acidente como motivo da morte, mesmo havendo claros indicadores de que o acidente tenha sido provocado com intenção suicida. O propósito dessa atitude seria proteger a memória do falecido e os sentimentos de sua família, devido ao grande estigma que existe em relação ao médico como pessoa que não poderia cometer o ato suicida.


É indiscutível que a pessoa que tira a própria vida é sempre alguém em sofrimento que não encontra recursos para lidar com as adversidades percebidas. É também indiscutível que o médico é um ser humano exatamente igual aos demais e está igualmente exposto às múltiplas adversidades da vida no trabalho, na família e em relação à própria saúde física e mental. Mas tanto a sociedade leiga quanto grande parte dos próprios médicos não aceitam que possam apresentar condições psicológicas que sejam incapazes de administrar.


Estudos mostram entre esses profissionais alto índice de burnout que recebe pouca atenção, mesmo sendo um grande fator de risco para o suicídio e comumente associado ao diagnóstico simultâneo de depressão e ansiedade. Os estressores mais associados ao burnout médico acontecem nos diferentes momentos da carreira e nas diferentes especialidades, incluindo carga horária excessiva, poucos recursos para o trabalho, conflitos entre prioridades pessoais e trabalhistas e necessidade de atuar em situações fora da especialidade. Estressores pessoais frequentes incluem perfeccionismo, indecisão e busca por reconhecimento, que podem aumentar a sensibilidade aos demais estressores. Nesse contexto, é comum ocorrer como resposta o uso de álcool e de outras substâncias, bem como fortes sintomas de ansiedade e de depressão. Entretanto, condições psicológicas graves e ideação suicida podem ser desenvolvidas independente da profissão e mesmo antes do ingresso do aluno no curso.


Um aspecto relevante é que, quando um caso de médico em sofrimento psicológico se torna público, a confiança dos pares, superiores e pacientes nesse médico pode ser abalada, reforçando sua autopercepção negativa. O resultado compromete a qualidade do trabalho e aumenta a possibilidade de erro médico, exacerbando as condições já existentes.


Esse desfecho poderia ser evitado pelo próprio médico, buscando assistência psicológica ou psiquiátrica ao notar suas primeiras dificuldades, mas o estigma impede. Ele próprio assume que deve ser totalmente saudável e que seria uma falha ser acometido por sofrimento psicológico. Embora essa realidade seja bem conhecida, poucas iniciativas na própria classe médica implementam práticas preventivas e acolhimento aos profissionais em sofrimento.


A atenção a esses profissionais requer, como primeiro passo, a conscientização da sociedade e dos médicos, desde o curso de graduação, para que aceitem a sensibilidade do profissional ao próprio sofrimento, nas diferentes fases e nos diferentes aspectos da vida. São todos seres humanos. O segundo passo é o desenvolvimento de programas de atenção especial, acessíveis nos locais de trabalho e em outros diferentes serviços e localidades.  A realidade mostra que são necessários a sensibilização e o monitoramento continuado da saúde mental dos médicos, bem como a oferta de serviços psicológicos especializados e adequados às diferentes culturas e contextos.

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