OPINIÃO

Carlos Eduardo Esch é professor da Faculdade de Comunicação da UnB e doutor em Sociologia e Ciências da Comunicação pela Universidade Complutense de Madri.

Carlos Eduardo Esch

 

Anos atrás tive a oportunidade de escrever outro texto comemorando a existência do rádio no Brasil. Na ocasião, instiguei aos leitores que “atirasse a primeira pedra” aquele não tivesse cometido o “gostoso pecado” de recolher-se em casa após um dia cansativo de trabalho, apagar a luz e, na escuridão do seu quarto, dar um click em um pequeno botão que liga um aparelho de rádio e assim, interagir com o mundo através da “caixinha mágica” que emite sons. Confesso que pequei inúmeras vezes!!!!! Ouvir rádio em minha juventude e em um mundo bem diferente do atual, era um momento de prazer que se materializava na busca por saber o que se passava no resto do planeta e por sentir-se próximo de outros lugares, de acontecimentos e até mesmo de outras culturas.


Hoje em pleno século XXI, tempo de celulares inteligentes que disponibilizam outras tantas experiências comunicativas, muitos “jovens da era digital” deixaram de ter contato com a música relaxante; com a conversa que levanta o astral; com as informações do que acontece na sua cidade; com a emoção que marca a narração radiofônica de uma partida de futebol ou, simplesmente, perderam a oportunidade de sentir a companhia amiga e agradável de alguém do outro lado de um microfone falando de um estúdio para a imensidão do mundo.


As transmissões radiofônicas permitiram, pela primeira vez, desvincular a interação da presença física. Isto fez com que pessoas que não compartilhavam o mesmo espaço e tempo pudessem estabelecer relações por intermédio das ondas invisíveis que carregam o som. Ao longo do tempo, a programação radiofônica se transformou em um espaço privilegiado de onde partem distintas mensagens e se elaboram múltiplos significados para os acontecimentos do mundo, bem como para onde convergem diferentes manifestações da audiência, cujos objetivos podem variar da simples necessidade de os ouvintes expressarem os seus mais íntimos sentimentos, até a manifestação de suas insatisfações com distintos problemas sociais e com a ausência de ações governamentais.


Esse “vovô midiático” centenário, significou o primeiro momento da presença dos meios eletrônicos no interior das residências, dando início ao inovador conceito do que viria a ser denominado “espaço público midiático”, ambiente que desde então, configura muitas de nossas referências sobre o mundo. A existência desse novo espaço, promoveu alterações significativas nos processos históricos de formação da opinião pública, de participação política dos cidadãos, de constituição dos próprios processos de identidade social e cultural.


Após um século participando do nosso dia a dia e sendo parte de nossa própria história, o rádio, que foi visto em seus primórdios como “coisa do demônio”, chega aos dias de hoje consolidado como esse meio “intrometido” e disponível, que está sempre presente em nossas casas, automóveis, coletivos, na internet e, inclusive, em nosso mais recente companheiro inseparável e quase extensão de nossos corpos que é o celular multifuncional.


No momento em que completa a sua primeira centúria, as perspectivas para o rádio brasileiro, apesar de incertas no presente, apontam para um futuro rejuvenescedor. Ao contrário do que ainda se pode pensar, o seu futuro não será expresso em uma lapide. A digitalização abriu novos caminhos que permitiram ao rádio integrar-se ao ambiente multimídia. Essas adaptações vêm produzindo transformações interessantes na sonosfera atual. Basta observar o recente fenômeno da explosão do podcast. Neste cenário, a conjunção de novas técnicas de realização, de transmissão e disponibilização de programas vem proporcionando mudanças significativas nos modelos de negócio que suportam a sobrevivência do meio sonoro.


A crescente integração do rádio à Internet e às plataformas digitais confronta-se com o processo de migração do chamado sistema analógico, atualmente em uso, para o de transmissão digital. Esse processo vem se mostrando lento e irregular em boa parte do mundo e, em particular, no Brasil. Dificuldades no desenvolvimento de um padrão tecnológico eficiente têm gerado muita insegurança em radiodifusores e autoridades governamentais do setor.


Apesar das dificuldades atuais e das potenciais transformações, muitos dos estudos sobre o rádio realizados com ouvintes reafirmam que a força deste meio está, sobretudo, na interação com o seu público. No rádio contemporâneo, muitos programas são vistos pelos ouvintes como espaços de prazer, de manifestação e de satisfação. Neles, as audiências instituem laços de identificação e confiança com os seus apresentadores e vêm várias de suas necessidades emocionais e demandas objetivas atendidas.


Neste contexto, aparentemente antagônico, entre consolidação histórica e renovação tecnológica de um meio de comunicação, o segredo para a manutenção da força popular do rádio é criar, continuamente, novos formatos de programas e estabelecer linguagens criativas e dinâmicas, fomentando assim, condições inovadoras que consigam promover a atração e renovação de público e a interação com os seus diferentes segmentos.


O futuro deverá revelar novos espaços e possibilidades para as potencialidades do rádio e poderão confirmar e quem sabe até ampliar suas características multidimensionais. Ele já oferece serviços, informação, entretenimento e companhia... E deverá continuar assim nas próximas décadas. Quem viver, verá. Ou melhor, ouvirá!

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.